- AS AVENTURAS DE DIDO E XITUM –
 
                                                A MATA CILIAR
 
 
Naqueles dias a turma andava agitada, é que apareceu por lá um tal de Juvenal, um fazendeiro rico, poderoso e sem nenhum escrúpulo. Tava querendo comprar as terras de todo mundo e quem não quisesse vender ele dava um jeito de invadir.
Andava cercado de jagunços, todos armados, mal encarados. Tava querendo desmatar tudo, queimar tudo e plantar um tal de biodiesel e meter capim no restante pro gado dele engordar. Até a mata de reserva e a mata ciliar ele não estava respeitando. 
O povo com medo não tinha coragem de denunciar, ele fazia ameaças o tempo inteiro. Na escola não se falava de outra coisa aí, os pais, os professores e os alunos, preocupados com tudo que estava acontecendo, resolveram marcar uma reunião com a comunidade para discutirem sobre o assunto e encontrarem uma solução o mais rápido possível para resolver essa situação alarmante, seu Alfredo foi o primeiro a falar:
- Moro nessa terra da Vila de Bom Sossego há mais de cinqüenta anos. Nasci e me criei aqui. Meu pai nasceu e se criô aqui e, quando ele morreu deixô essas terras pra mim. Tô criando meus fios aqui. E do mermo jeito que meu pai mim sinô a respeitar a terra eu tenho insinado pros meus fios, taí o Juliano que num mim dêxa mintir. Minino bão, istudioso. Sabe tudo sobre o mei ambienti, sobre ecolugia. Coisas que eu só ouvia dizê, só ouvia falá. Hoje ele leva os livro lá pra casa e mi ixprica tudo direitim. Tenho um orgui danado desse fio meu! 
Juliano ouvia a voz do pai com orgulho. Homem simples nos seus modos, no seu jeito de falar, porém sábio.
- Aí agora chega esse hômi sô! Esse tár de Juvenar! Esse hômi é um demõe da pior ispécie gente! Ondi foi que já se viu meu Deus do céu, querê distruir a mata de reserva e a mata ciliar? Ondi é qui os coitado dos bicho, dos Passarim vão morar? E o qui qui há de ser do nosso pranêta se nóis dismatar tudo? Cuma é qui nóis vai respirar? Será qui esse doido num pensa não? Oh hômi sem coração! Isso é um absurdu!
Depois foi a vez de Dido e Juliano falarem. Agora já estavam crescidos, eram dois rapazinhos falantes.
Juliano pediu a palavra e começou a falar e falou muito bem, deixou todo mundo emocionado.
Falou do amor que sentia pela terra, do amor que seu pai lhe ensinou a ter pelas plantas, pelos animais. Que nós não somos donos de nada, não somos donos da terra, mas pelo contrário, fazemos parte dela, parte da natureza, do planeta e que por isso mesmo, deveríamos aprender a amá-lo e preservá-lo.
Aí foi a vez de Dido se expressar.
Disse que tudo que respira é vida, e até o que não respira, também é vida. As plantas, os animais, a água, o vento, as pedras, tudo tem vida, tudo é dom de Deus, faz parte de Deus. Que assim como recebemos um planeta limpo e vivo dos nossos antepassados, temos a obrigação moral, o dever de repassá-lo limpo e com vida para nossos filhos e netos.
- É a continuidade da vida! Disse Dido.
Disse que ele e Juliano, primeiramente haviam aprendido com os pais, e que depois haviam confirmado tudo nos livros.
- Sim, o planeta tem vida e precisa de nós! Até mesmo falar a natureza fala, nós é que às vezes não paramos para ouvi-la, para entendê-la. Não fazemos o menor esforço para compreendê-la, mas ela fala! – nesse momento lembrou-se do seu amigo Xitum que a essa altura coitado, deveria estar apavorado, com a sua família no mato, correndo doido de um lado pro outro fugindo do fogo, dos tratores e das motosserras.
 E Dido falou com tanta convicção, com tanta autoridade, com tanta ênfase, que dessa vez ninguém achou graça quando ele disse que até a natureza falava, que os bichos falavam, que o seu amigo Xitum falava. Pelo contrário, dessa vez todos ficaram atentos e pensativos, até mesmo, emocionados.
E quando Dido pra finalizar a sua fala tirou do bolso um texto do qual ele gostava muito, intitulado a “A carta do Índio” e o leu em voz alta, a platéia desabou em choro.
Dido agradeceu a oportunidade e passou a fala para a professora Érica que iria explicar melhor sobre a questão da mata de reserva e da mata ciliar, sobre os aspectos legais da preservação ambiental e sobre os órgãos de proteção, bem como, sobre os procedimentos formais de como se efetivar uma denúncia aos órgãos competentes e exigir do poder público as providências cabíveis para tais situações.
- Bom meus queridos amigos em primeiro lugar eu quero agradecer a presença de todos aqui e dizer que estou muito preocupada com tudo isso que está acontecendo, mas também quero dizer que unidos nós conseguiremos reverter essa situação e, quero aproveitar a oportunidade para parabenizar a todos pelo comprometimento de virem aqui participar dessa reunião, isso indica bom senso, cidadania participativa e consciência ecológica! Para que eu não fique só falando e torne a minha fala cansativa eu gostaria de pedir a vocês que ficassem à vontade para perguntarem algumas coisas das quais, por ventura, vocês tenham dúvida, daí eu vou explicando e esclarecendo alguns aspectos.
Rosinha foi a primeira a levantar a mão e efetuar uma pergunta:
- Professora eu queria que a senhora explicasse melhor pra gente o que é Reserva Legal.
- Pois bem Rosinha, a Reserva Legal, para quem ainda não sabe, é aquela área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, que não seja a de preservação permanente (APP). O Objetivo do decreto da Reserva Legal é a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Ela varia de acordo com o bioma e o tamanho da propriedade e pode ser:
I – 80% da propriedade rural localizada na Amazônia Legal;
II – 35% da propriedade rural localizada no bioma cerrado dentro dos estados que compõem a Amazônia Legal;
III- 20% nas propriedades rurais localizadas nas demais regiões do país.
O conceito de RESERVA LEGAL é dado pelo Código Florestal, em seu art. 1°, §2°, inciso III, inserido pela MP n°. 2.166-67, de 24.08.2001, sendo: "área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas."
Portanto, os proprietários terão que reservar uma parte da vegetação natural em sua propriedade para que o ecossistema seja protegido.
Aí foi a vez do Lucas perguntar:
- Professora, e o que vem a ser mesmo uma Mata Ciliar? 
- Bom Luquinha, a Mata ciliar é a formação vegetal localizada nas margens dos nossos, córregos, lagos, represas e nascentes. Também é conhecida como mata de galeria, mata de várzea, vegetação ou floresta ripária.
Ela é considerada pelo Código Florestal Federal como "área de preservação permanente", ou seja, não pode ser tocada em hipótese alguma, com diversas funções ambientais, devendo respeitar uma extensão   específica de acordo com a largura do rio, lago, represa ou nascente.
Carlinhos levantou a mão e fez a sua pergunta:
           - Professora o que acontece quando a mata ciliar é destruída?
           - Um dos principais problemas é a escassez da água! A ausência da mata ciliar faz com que a água da chuva escoe sobre a superfície, não permitindo sua infiltração e armazenamento no lençol freático. Com isso, reduzem-se as nascentes, os córregos, os rios e os riachos. Ela também ajuda a reter e filtrar resíduos de produtos agroquímicos evitando a poluição dos cursos d’água e é uma proteção natural contra o assoreamento. Sem ela, a erosão das margens leva terra para dentro do rio, tornando-o barrento e dificultando a entrada da luz solar. A ausência ou a redução da mata ciliar pode provocar o aparecimento de pragas e doenças na lavoura e outros prejuízos econômicos às propriedades rurais. Por isso a conservação da mata ciliar é de suma importância, ela reduz o assoreamento dos rios, deixa a água mais limpa, facilitando a vida aquática e, além disso, essas áreas naturais possibilitam que as espécies, tanto da flora, quanto da fauna, possam se deslocar, reproduzir e garantir a biodiversidade da região.
         - Professora - perguntou Rodrigo-, a exemplo da reserva legal existe uma lei que protege a mata ciliar?
         - Sim, a mata ciliar é uma área de preservação permanente, que segundo o Código Florestal (Lei n.° 4.771/65) deve ser mantida intocada, e caso esteja degradada deve-se prever a imediata recuperação. E, essa lei já existe há mais de quarenta anos! Mas nem sempre foi cumprida. Toda a vegetação natural (arbórea ou não) presente ao longo das margens dos rios, e ao redor de nascentes e de reservatórios, deve ser preservada. De acordo com o artigo 2° desta lei, a largura da faixa de mata ciliar a ser preservada está relacionada com a largura do curso d'água.
         - Como assim professora?
         - Vou explicar melhor, por exemplo, se a largura do rio for menor que dez metros a largura da mata ciliar será de trinta metros, se a largura do rio for de dez a cinqüenta metros, a largura da mata ciliar será de cinqüenta metros, se o rio tiver de cinqüenta a duzentos metros, a largura da mata deverá ser de cem metros, se ele tiver de duzentos a seiscentos metros, a mata terá a largura de duzentos metros, e se o rio tiver acima de seiscentos metros a largura da mata ciliar deverá ser então de quinhentos metros.
Huguinho se esticou todo para que a professora pudesse enxergar o seu braçinho estendido e fez a sua pergunta:
- Professora, a quem nós devemos recorrer para efetuar uma denúncia de degradação ambiental?
- Nós temos o IBAMA que é um órgão do Governo Federal, os estados possuem os seus órgãos de defesa ambiental e também cada cidade possui a sua Secretaria do Meio Ambiente.
Após os debates e discussões ficou decidido ao final da reunião que uma comissão formada pela comunidade iria até a cidade levar o documento de denúncia registrado em ata e exigir dos órgãos competentes providências urgentes para resolver aquela situação e que com fé em Deus e o bom senso dos homens, tudo iria se resolver bem.
Depois falaram palavras de ordem, cantaram o Hino Nacional, uma música de louvor ao criador e à natureza, se abraçaram, se despediram e foram para suas casas com um pouco mais de esperança no coração.
Dido e Juliano saíram dali às pressas para irem se encontrar com Rosinha e depois irem se embrenhar no mato para se encontrarem com Xitum e lhe darem as boas novas, que com fé em Deus, a ajuda iria chegar e tudo seria resolvido.
Encontraram Rosinha no terreiro da escola que já os aguardava ansiosa, pularam a pequena cerca, correram por entre um pequeno pomar, entraram num matagal, subiram serra, desceram serra, atravessaram matas e igarapés e, pimba. Deram de cara com Xitum que os esperava embaixo de uma árvore frondosa. Ele estava ali descansando um pouco à sombra com toda a sua família. Seu velho pai, sua mãe, sua mulher, seus meninos e meninas, quer dizer, seus filhotinhos. Não! Quer dizer, coelhinhos e coelhinhas. Ah, deixa pra lá, - sua filharada, pronto.
Já iam começar a falar todos de uma vez só quando Xitum interrompeu:
- Calma meus amigos! Eu já sei de tudo!
- Sabe? Mas como? A gente saiu da reunião agorinha mesmo!
- Um passarinho amigo meu me contou que uma andorinha contou pra ele, que um pardal que mora num ninho no telhado da escola que assistiu toda a reunião contou pra ela, que contou pra ele que contou pra mim, que a reunião foi um sucesso!
E todos gritaram e pularam felizes e foram tomar banho no igarapé “Poço Fundo” onde as águas eram alvinhas e cristalinas. Dava até para ver os peixinhos passeando no fundo e dando tchauzinhos com as nadadeiras.
Que que foi?
Ah, já sei. Os caros leitores devem estar achando graça que passarinho não fala, que coelhinho não fala, que peixinho não fala, que bicho não fala.
Então tá bão bobão! Então não fala!
Oh, ocês humanos às vezes são tão sem graça!
 
 
E quem quiser que conte outra.