A FLOR É BELA !

PRÓLOGO

Tenho uma vaga lembrança dos tempos de escola, mas o caso que vim contar nunca mo será esquecido, nem quando os vermes atacarem meu cérebro e abocanharem fatalmente minhas lembranças... Ah, minhas lembranças! Tantos amigos, inimigos , amores e venturas, vão ter um triste fim na panela de um inseto...

A CARTEIRA RECHONCHUDA

Seu Pedro, o zelador, era um homem que tudo faltava, dinheiro, ceroulas, beleza e bigode, mas por outro lado lhe sobrava cárater. Naquela tarde mesmo (de junho, de inverno, de "90"), o bom homem passava um esfregão no piso do pátio, despreocupado, escutando Roberto Carlos, assoviando, olhando para o teto feito de céu, que tinha até goteiras quando chovia... Quando bateu com o rodo num objeto, maior do que sujeira, (pensou ele), com toda razão, era uma carteira de couro, cheia de lantejolas e muito rechonchuda. Conferiu os documentos e entregou ele mesmo a seu dono, o Gordo, aquele insuportável da minha sala , a inesquecível 5ª E. O Gordo não soube nem dizer obrigado, se não fossem os apelos da bela Carmelita.

_"Vamô" Gordinho, dê uma recompensa a Seu Pedro. Ele merece!

E na toada de um coro a sala repetiu.

_Ele merece!!! Ele merece!!! Ele merece!!!

O Baleia, contrariado, contava as notas da gorjeta, mas de repente gritou.

_ Merece merda! Esse Pouca-Bosta me robou!

TERRÍVEL DIRETOR EPAMINONDAS

Fazia tempo que o diretor não saia da toca, sempre procurava resolver as questões do colégio em seu escritório mesmo e sempre resolvia com ímpar crueldade. Mas aquele caso mereceu maior atenção, o velho, feio, morfético, manco, Diretor Epaminondas, foi pessoalmente a minha sala, a ultima sala do corredor ou como dizia o próprio diretor seguido de um riso estranho... _O ultimo andar para o inferno!... A 5ª E e o diretor era como homem e rato, o homem teme o rato a medida que o rato teme o homem, e nessa simultância armou-se um tribunal. A vítima dispensava advogado e o réu não podia pagar por um. Nesse caso me apresentei ao juíz, o diretor, como voluntário pra defender a causa.

_ Um dia eu perdi meu boné do Mengo e ele me devolveu, mesmo sendo Bota-Fogo, disse em sua defesa.

Nesse instante mais um aluno relatou a honestidade do acusado e mais um e outro e mais outro e um, formando aquele tropel.

_ Sem mais um pio! ,ordenou o diretor.

Sacou seu Nokia "tijolão" da cintura e entrou numa ligação, falando de rabo de boca.

...

_Quanto tinha na sua carteira Gordo, (tociu), ops, quer dizer, Alfredo?

Todos riram...

_É meu nome idiotas, disse o Gordo.

Todos riram mais ainda...

-Tinha 5 mil redondo, porque recebi minha mesada hoje.

_E com quanto Seu Pedro devolveu?

_Com três e meio. Esse ladrão me robou. Esse Pouca-Bosta!

Para a surpresa de todos aquele monstrengo dentro do terno amarrotado, o diretor, mostrou-se um homem justo e implacável. E colocou a Criança-Obesa em seu devido lugar.

_Olha aqui seu riquinho metido a besta. Em primeiro lugar eu devia mandar o Seu Pedro pegar o esfregão e lavar sua boca, que só sai palavrões e calúnias.

_Mas...

_Cala a Boca!...

_Mas...

_...Em segundo, liguei para seu pai e ele me falou que reduziu sua mesada, como castigo por ter cuspido na cara da Dorotéia, sua babá...

Todos acharam graça do Gordo ainda ter babá e riram...

_Não teve robo algum, nenhum, (hummmm...), seu pai reduziu a sua mesada. Foi só isso, só isso. Seu Mela-Cueca!

...

De raiva dei uma gravata no Gordo e o derrubei no chão. Ele levantou, se sacudiu e me ameaçou.

_Te pego na saída!

TE PEGO NA SAÍDA

No intervalo peguei minha merenda e fiquei amuado num canto do ginásio, preocupado com a surra que ia levar. O Gordo era enorme e fazia judô e eu, um nanico. Anunciaram a peleja aos quatro cantos da escola e logo todo mundo sabia, tão logo chegou nos ouvidos até da Floribela, a filha do Seu Pedro que apesar da decendênlcia era linda, tinha os cabelos loiros cacheados até os ombros e os olhos verdes-limão e a pele branquinha feito a folha de um caderno. Ela se aproximou em câmera lenta e disse-me pausadamente, tudo bem devagar, quase eterno.

_Oi, lindinho. Soube que você vai brigar por causa do meu pai. Você é um valentão! É meu herói!

E celou um beijo molhado na minha bochecha.

...

Quando bateu o sinal de saída, às 18:10, arranquei uma flor da roseira, guardei no bolso da jaqueta e fui à luta. Davi enfrentar Goliás. O Gordo pisava forte, sentia o chão estremecer, pensei em correr, desisti, pensei de novo, desisti por final e fiquei. Ele me deu o primeiro empurrão, bati na parede, quase quebrei a espinha. Deu o segundo, quebrei alguma coisa e antes que ele desse o terceiro e me levasse a locaute, dei um empurrãozinho nele, foi a conta, a carteira dele caiu denovo e ele escorregou nela. Espatifou no chão.

FINAL

Depois dos aplausos, dos abraços, dos autógrafos, fui ver a "Flor" e coloquei minha flor em sua orelha. Ela ensacava mais de mil flores por dia, pra ajudar seu pai com a grama, mas disse que aquela flor era única e iria guardá-la por toda vida. Casamos, tivemos filhos e a flor um dia murchou, numa dessas mudanças da cidade pra roça, da roça pra cidade, um dia perdemos a flor, mas o amor que temos um pelo outro, nunca!

Guilherme Sodré

*** A classificação correta do conto é "conto juvenil"... como não há essa opção no recanto coloquei em "conto infantil"... espero que tenham gostado...

Guilherme Sodré
Enviado por Guilherme Sodré em 20/11/2009
Reeditado em 20/11/2009
Código do texto: T1934282