A lenda do bem te vi

Vovô Isaías morava sozinho em uma humilde casinha na cidade grande e tinha por companhia um gatinho todo branco, que ele apelidara de dorminhoco. Ele o chamava de dorminhoco porque o danado passava o dia todo dormindo no sofá da sala.

No fundo do quintal havia uma laranjeira onde todos os dias a tardezinha um belo pássaro ali empoleirava e iniciava suamaravilhosa sinfonia, que deixava vovô Isaías boquiaberto diante de tamanha docilidade existente em seu maravilhoso trinado.

Vovô Isaías sentava-se em um banco, que havia na varanda, e passava a tarde toda admirando o pássaro cantar. O pássaro cantor parecia conversar com o vovô.

----Canta nenê, canta! --Brincava o vovô Isaías.

E do alto da laranjeira o belo pássaro esparramava o seu trinado, fazendo ecoar por todo quintal a magia sonora do seu maravilhoso cantar. E até mesmo o entardecer, que jorrava seus últimos raios solares sobre a terra, parecia parar ali por alguns minutos só para admirar a pureza daquele doce momento.

Certo dia, porém, o belo pássaro, um pouco antes do entardecer, voou sereno e pousou sobre o muro de uma das casas próximo de onde morava o vovô Isaías. Parou ali por alguns minutos, talvez para descansar um pouco antes de ir para a laranjeira onde o vovô Isaías o aguardava ansioso.

Todavia o pequeno pássaro não percebeu que um homem malvado já o vinha espreitando a tempo na intenção de pegá-lo e prendê-lo em uma gaiola. O homem malvado veio pé ante pé bem de mansinho e sem que a pequena ave percebesse atirou uma rede sobre ela e o apanhou. O pobre pássaro debateu-se desesperadamente tentando desvencilhar-se daquela armadilha, porém de nada adiantou, pois o homem sem coração abocanhou-o com as mãos e rapidamente jogou-o para dentro de uma gaiola decretando-lhe injustamente prisão perpétua.

Enquanto isso vovô Isaías, sentado em seu banco, ficou ali a tarde toda esperando seu amiguinho vim saudá-lo com a maravilha do seu canto. Esperou... esperou... até que à tarde, empurrada pela noitinha, foi-se embora entristecida por também não ter ouvido o canto do pássaro que todos os dias alegrava o coração solitário do pobre velhinho.

E quando as estrelas começaram a enfeitar o céu daquela linda noite enluarada de verão, vovô Isaías desistiu de esperá-lo e foi dormir bastante entristecido. Porém assim que se deitou percebeu um clarão invadindo o seu quarto. A luminosidade deste clarão era tão intensa que quase o cegou. Em seguida bem a sua frente apareceu uma linda Fada de olhos azuis. Ela sorriu para o Vovô Isaías e serenamente, pediu-lhe que não tivesse medo. Depois lhe explicou que precisava de sua ajuda, pois o pássaro cantor estava preso perto dali. Um homem malvado, que na verdade não passava de um grande bruxo do reino de Jharden, o havia aprisionado em uma gaiola e que dentro em breve enviaria o pássaro para Jharden, onde ele seria transformado em escravo das bruxas daquele horrível lugar.

A fada explicou-lhe ainda que o pássaro era na realidade um lindo príncipe de um reino próximo a Jharden e que havia sido enfeitiçado por esse bruxo simplesmente porque ele morria de inveja da formosura do jovem rapaz. E só havia uma maneira de quebrar o feitiço, uma pessoa de coração puro e imaculado, como o vovô Isaías, deveria, quando o relógio da catedral badalasse anunciando meia noite do dia treze, fazer com que o bruxo beijasse um gato branco igual ao dorminhoco e ai então todo feitiço se inverteria. O príncipe voltaria a ser príncipe e o bruxo malvado se transformaria em um horrível pássaro e viveria eternamente preso dentro de uma gaiola.

Foi ai então que o vovô Isaías lembrou-se que era dia doze, e faltavam poucos minutos para que os sinos da Catedral próximo dali badalassem anunciando meia noite do dia treze.

Vovô Isaías levantou-se rapidamente, pegou o dorminhoco e juntamente com a fadinha dos olhos azuis rumou para a casa do bruxo que ficava bem próximo dali.

Por sorte o bruxo esqueceu-se de trancar as portas e a fadinha, sem que ele percebesse, jogou um pó mágico em seu suco de asas de morcego e fez com que ele caísse em sono profundo. Porém teriam que ser rápidos, pois logo após a meia noite o bruxo voltaria ao normal.

Entraram bem devagarzinho e foram diretos para o quarto do bruxo malvado que dormia como se fosse uma criança. O Vovô Isaías aproximou-se e encostou a boca do dorminhoco, bem próximo à boca do bruxo e ficou aguardando que o sino da catedral anunciasse a meia noite daquele dia treze que se aproximava lentamente.

Todavia, não contavam com o surgimento repentino de um dos corvos do reino de Jharden, que viera trazer uma mensagem para o bruxo. O corvo ao entrar no quarto percebeu logo o que estava acontecendo e começou a gritar feito um doido tentando acordar o seu mestre. Vendo que não adiantava nada, voou rasante sobre o dorminhoco tentando arrancá-lo das mãos do Vovô Isaías. Porém a fadinha rodou a sua vara de condão e jogou sobre ele a mesma rede com que o bruxo malvado havia apanhado o pássaro cantor.

Nesse momento os sinos da igreja começaram a badalar anunciando meia noite e na confusão que havia se formado o vovô Isaías titubeou por alguns segundos e o bruxo acordou. Meio zonzo ainda, pôs-se em pé e ao ver o Vovô Isaías ali a sua frente pulou sobre ele tentando agarrá-lo. O Vovô Isaías porém foi mais rápido e esfregou a boca do dorminhoco na boca do bruxo. O pobre do dorminhoco fez uma careta de nojo ao receber aquele beijo inesperado. No mesmo instante o bruxo foi encolhendo, encolhendo e logo em seguida transformou-se em um horrível pássaro.

----Depressa! Depressa! --Gritou a Fada-- Tire o pássaro cantor daquela gaiola e coloque esse outro no lugar dele, antes que ele fuja!

Rapidamente o Vovô Isaías agarrou o bruxo malvado que havia se transformado em um inofensivo pássaro e trancou-o dentro da gaiola, libertando o pássaro cantor.

Assim que o pássaro cantor se viu livre pousou próximo a fada dos olhos azuis que tocou a sua cabeça com a vara de condão e fez com que ele voltasse a ser novamente o belo príncipe que sempre fora.

O príncipe abraçou a todos e chorou de emoção por poder, agora, voltar ao seu reino e finalmente casar-se com sua amada que com certeza sofria muito com o seu misterioso desaparecimento.

A Fada perguntou ao Vovô Isaías se ele gostaria de fazer algum pedido. O Vovô Isaías pediu a ela que transformasse aquele horrível pássaro em um pássaro tão bonito e cantador como era aquele que escondia um belo príncipe por de trás de suas plumagens.

----Com certeza! --Respondeu a Fada dos olhos azuis-- Que seja feito a sua vontade!

Ela jogou sobre a gaiola um pó azulado e brilhante, bateu três vezes com a varinha de condão na cabeça do pássaro e cantou uma bela cantiga do reino das fadas. No mesmo instante o horrível pássaro transformou-se em uma linda ave, de cantar tão sonoro e melodioso quanto o pássaro cantor.

O Vovô Isaías perguntou se podia libertá-lo. A Fada dos olhos azuis respondeu que sim, pois agora ele não possuía mais poderes algum. Porém antes que o Vovô Isaías soltasse o pássaro a fada dos olhos azuis recitou uma quadrinha:

----Pássaro do cantar melodioso,

para que jamais se esqueçam de ti,

a partir de hoje, você e seus descendentes,

cantarão para sempre: "Bem Te Vi, Bem Te Vi”

E foi assim que surgiu o bem te vi.

A Fada dos olhos azuis bateu com a sua varinha dez vezes sobre a gaiola e selou para sempre esse pacto com o pássaro.

Vovô Isaías, abriu a portinhola da gaiola e deixou que o pássaro voasse livre. Afinal de contas, lugar de pássaro é vivendo solto em meio à natureza e não preso injustamente dentro de uma gaiola.

O pássaro, assim que se viu livre, saiu pelo mundo cantando Bem te vi a todos que encontrava pela frente. Logo arrumou uma companheira e espalhou seus descendentes pelo mundo todo.