A Sombra do Último Homem

A Sombra do Último Homem

O relógio na parede marcava 3:33 da manhã. No apartamento escuro e abafado, Edgar estava sentado em sua poltrona rasgada, encarando o teto com olhos opacos. Ele não dormia há dias, mas o cansaço parecia irrelevante. Ali, no silêncio absoluto da madrugada, o mundo parecia se desintegrar ao seu redor. A ideia o confortava de uma forma mórbida, como um animal enjaulado que aceita sua jaula porque sabe que a floresta lá fora é ainda mais cruel.

Ele acendeu outro cigarro, não porque queria, mas porque era o que fazia. Rotinas se tornaram um substituto pobre para significados, e o fogo na ponta do cigarro parecia uma tocha funerária para sua existência. Pensou, mais uma vez, em se levantar, sair para a rua e desaparecer no frio que engolia a cidade. Não que isso fosse mudar algo. Ele sabia. Todos sabiam.

O mundo havia acabado há muito tempo, embora o planeta ainda girasse. Não havia mais guerras, nem revoluções, nem utopias prometidas. Havia apenas a repetição mecânica dos dias, como se a humanidade fosse um relógio quebrado que insistia em continuar a contar o tempo mesmo sem propósito. O sol nascia, a cidade se movia, mas tudo era inerte, uma sombra pálida de algo que nunca fora realmente vivo.

Edgar se levantou, finalmente, e caminhou até a janela. Lá fora, as luzes dos postes oscilavam em um zumbido constante. Não havia ninguém na rua, e mesmo os carros estacionados pareciam cadáveres de metal abandonados. Ele imaginou, por um instante, que o universo inteiro pudesse ser assim: uma coleção infinita de coisas mortas que fingem estar vivas.

Lembrou-se de quando era jovem, quando ainda acreditava que havia algo pelo qual lutar. Ele tinha lido todos os livros, decorado as ideias de Nietzsche, Schopenhauer, Camus, mas nenhuma dessas palavras o salvou do vazio que corroía tudo como um ácido lento. Pensava que o conhecimento o libertaria, mas apenas o aprisionou em uma cela ainda maior. Descobrir que não há propósito não era o problema; o problema era continuar vivendo apesar disso.

No reflexo do vidro da janela, viu seu rosto. Não parecia mais humano. Era apenas um conjunto de olhos cansados, pele flácida e uma expressão que não significava nada. Ele riu, um som seco e breve, e se perguntou por que ainda fazia isso. Até rir parecia um reflexo automático, uma relíquia de um tempo em que emoções tinham algum peso.

Ao longe, viu uma estrela cadente. Não fez um pedido. Apenas a acompanhou até que desaparecesse no horizonte, como tudo eventualmente desaparece. Edgar se sentiu estranho, como se fosse o último homem vivo, não porque estivesse sozinho, mas porque todos os outros já haviam desistido de viver enquanto ainda respiravam. Ele também queria desistir, mas algo nele o impedia.

Talvez fosse covardia. Ou talvez fosse o fato de que, no fundo, não havia para onde ir. Mesmo a morte, pensava ele, era apenas mais uma parte do mesmo teatro patético. Não havia outro lado, nenhuma redenção, nenhuma paz. Apenas o nada. E mesmo o nada era indiferente.

Quando o cigarro chegou ao fim, Edgar o esmagou no cinzeiro, observando a fumaça subir como um fantasma. Ele voltou para a poltrona e encarou o teto novamente. Do lado de fora, o céu começava a clarear.

O mundo continuava. Ele também.

E nenhum dos dois fazia a menor diferença.

(Eduardo Andrade)
Enviado por (Eduardo Andrade) em 24/12/2024
Código do texto: T8226576
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