Visões da sacada do apartamento
Todos os dias, a mesma mulher passa, empurrando um carrinho de bebê cor-de-rosa. Nunca vi seu rosto. Ela sempre usa o mesmo vestido preto, curto e com as costas transparentes, como se o tempo não a tocasse. A cena é uma constante, uma repetição que parece inofensiva à primeira vista.
Da sacada do meu apartamento, observo-a desde que me mudei para aqui. Ela sempre passa na frente do mercadinho da esquina, faz uma curva silenciosa na primeira rua à esquerda e desaparece na esquina seguinte. Só isso. Nunca a vi em nenhum outro trecho da rua. Nunca vi o carrinho em outra parte da cidade. Nem mesmo o som das rodas no asfalto é algo que reste. Como se fosse uma miragem.
Hoje, algo mudou. Enquanto a observava como sempre, percebi que ela não estava sozinha. O carrinho, normalmente vazio, estava agora com algo… ou alguém dentro. Não pude ver direito, mas havia algo ali, algo que me fez engolir seco. Como se o espaço do carrinho se expandisse para além de qualquer explicação. Uma sensação estranha começou a tomar conta de mim, um pressentimento que não conseguia afastar.
Ela seguiu seu caminho de sempre, mas algo na maneira como olhou para trás fez meu coração acelerar. Era como se ela soubesse que eu estava ali, vigiando-a. Seu olhar não revelou nada, mas havia uma cumplicidade inquietante, como se ela esperasse por este momento.
Eu me afastei da sacada, o frio na espinha ainda me assombrando. Quando voltei para a janela minutos depois, o carrinho estava vazio de novo. Ela já havia sumido, mas o eco daquilo que eu havia visto ainda me atormentava.
Em vez de seguir para a esquina, ela desapareceu na escuridão da rua sem saída. Percebi que a rua que ela vira à esquerda não existe.