A Magnânima Arte Canonizada à Posteridade...

Em um lúgubre plenilúnio, absorto decadentemente em meu estado depressivo, a filosofar estivera-me e a raciocinar abstratamente meus pensamentos, refletindo-os ao pleno som do silêncio: a maior sinfonia excêntrica da mais peculiar melodia. Devido às minhas circunstâncias de languidez profunda, sempre estou sujeito a esta condição noturna cuja qual arbitrariamente opta-me a sentir, ou o máximo ponto de torpor, ou o último estágio de vigília, assiduamente. Contudo, esta noite, não me foi imposto tiranicamente pelo destino apenas uma das pontas desse extremo paradoxo, visto que o conjunto deste o foi destinado a mim especialmente.

Meia-noite! Em pleno auge da noite, em repleto ápice de insônia encontro-me, então, decido-me, pois, iluminar as velas de meu candelabro em um ato da vigília à insônia. Certamente, não é aconselhável dormir justamente na hora dos espíritos... Na hora em que o véu que separa o mundo dos vivos e o mundo dos mortos torna-se mais tênue e propício de os espíritos mortos vagarem livremente por este mundo... E vice-versa... Todavia, eu não pudera evitar... A desfortuna de minha ventura já fora determinada pelo vil destino... Restara-me apenas render-me ao encanto do sono da morte... Ora, o sono nada mais é que uma simulação de morte efêmera... E o sonho, apenas uma realidade da mente, assim como a lucidez de estar acordado é nada mais que outra realidade da mente... O abstrato é tão real quanto o concreto e este é uma existência como também aquele é outra existência...

Lembro-me de que tivera um sonho tremendamente estranho... Repentinamente, este começa comigo sentado em um banco de um bosque, olhando para chão e vagarosamente erguendo minha visão e contemplando morosamente o vazio, em cujo qual estivera completamente cinzento em meu sonho – cinza igual à cor da minha vida em cinzas sem as cores da aquarela da arte –, logo em seguida, pus-me a levantar e a andar através deste parque, em que devo ressaltar a plenitude de ausência de quaisquer seres, a um lugar para o qual eu não possuía o menor conhecimento...

Não havia nenhum tom menor de encanto nem o ínfimo resquício de emoção e de sentimento neste sonho... Sobretudo de som... Tudo perfeitamente mudo, quieto e em silêncio... Outro detalhe é que, desde o início até a essa etapa de desenvolvimento desse concreto devaneio noturno, essa abstrata ficção diurna fora tão sombria que não parecia dia em sua fase vespertina... E ainda outro ponto a atentar-se é que o ato de eu observar o bosque foi atuado em primeira pessoa, no entanto, a partir do momento em que comecei a caminhar por este jardim de cinzas, o ato foi em atuado em terceira pessoa...

Que sensação singular é a de permanecer normalmente no corpo e de olhar e enxergar tudo através dele e, de repente, ter-se a impressão de que se permanecesse no corpo e, entretanto, ter de observá-lo afastando-se cada vez mais a um lugar totalmente desconhecido... Eis a lógica absurda dos sonhos... Através de uma fração de segundo, a tela fantasiosa desse quadro fantasmagórico e metafórico escureceu lentamente, quando eu já não podia ver-me a mim mesmo de tão longe que o meu corpo já estava... E como é inigualável a noção de tempo quando se sonha, quando na verdade e na realidade o efeito do tempo passa normalmente aos corpos físicos, e nos corpos etéreos o efeito do tempo passa tão lentamente... O dobro e/ou o triplo do que passaria o tempo em sua concretude... Essa transição de telas de um quadro a outro foi como uma mudança de uma morte para a outra... A lentíssima fração de segundo em que uma tela cinzenta desaparecia e concomitantemente era consumida enquanto uma nódoa negra aparecia e prolongava o seguimento escuro e obscuro de negrume escuridão e de sombrias trevas a convocar a outra tela cinzenta e último quadro de cinzas...

Após esse evento de troca de quadros de cores neutras, desta vez começo permanecendo de pé a observar uma espécie de cômodo que parecia estender-se até o infinito perpétua e eternamente... Novamente, tudo era acinzentado, todavia em minha frente havia a existência de duas portas abertas que me dariam acesso a outro cômodo e/ou lugar... Na verdade, não daria para saber se, de fato, eram duas portas, pois a da minha esquerda era tão branca e de um brilho brando e reluzente que não dava para enxergar de tão claro, enquanto a da minha direita era tão negra e de uma tonalidade enfraquecida de preto que não dava para enxergar de tão escuro...

Cheguei inclusive a desconfiar que fossem dois corredores... E somente supus que eram portas e não corredores, porque geralmente são aquelas que nos dão acesso a outro lugar oculto, enquanto estes o fazem visivelmente... Foi então que pressupus que eu deveria ir à da minha direita... Não saberia dizer se era curiosidade ou algo do gênero, mas alguma coisa realmente me atraía e chamava-me a atenção lá... Assim como uma estrela morta a ser hipnotizada por um buraco negro, eu estava indo em direção à porta negra... Andando lentamente e aproximando-me...

Não havia porta... Era como um feixe de trevas... Por fim, não eram portas ou corredores, eram apenas locais de acesso... A outra “porta” provavelmente também era algum feixe de luz... Prefiro pensar assim sobre esta “porta” a admitir o meu receio de ela já esteve fechada desde o princípio... Finalmente, entrei – ou seria melhor mencionar “prossegui” – diretamente ao cômodo escuro... Era semelhante à sala anterior em que me situava, porém tudo era negro, e o mais instigante é que eu conseguia enxergar-me claramente andando para o centro deste lugar que não parecia ter fim...

Subitamente, tive outra vez a mesma sensação estranha de eu perceber o meu corpo em terceira pessoa... Só que desta vez eu já não tinha o controle de mais nada em meu sonho nem de mim mesmo... Igual a um mero telespectador de mim mesmo pude avistar-me inteiramente parado enquanto tudo ao redor girava lentamente... Quando o giro completou uma volta completa, finalmente a canção do silêncio fora quebrada... Vozes e sons destoantes de frequências absolutamente graves e agudas desconhecidas soando e toando sincrônica e drasticamente a mais terrível sinfonia de agonia e de sofrimento a tornar despoticamente possuídos a minha mente, o meu corpo, a minha alma e o meu espírito...

Sem o domínio de mais nada deste horripilante pesadelo... São irrelevantes quaisquer tentativas de safar-se... Apesar de ainda presenciar o meu corpo etéreo em terceira pessoa... O meu padecimento, presenciei-o com requintes de miséria e desgraça em primeira pessoa... E a tortura ainda insiste em não cessar... As penas e os pesares de desgraça e miséria presenteiam-me com este que é o legítimo ato final...

Tentava gritar e não conseguia... Tentava me mexer e não conseguia... Tentava acordar e não o conseguia... Permaneci totalmente paralisado... Senti a minha boca abrir-se devido a uma força sobrenatural e um espectro a invadir-me roubando-me a alma e esconjurando-me... Agonizando-me, sufocando-me e matando-me... Senti a sensação de que minha vida era como uma última chama da vela apagando-se e consumindo-a juntamente, a vela, a vida... Finalmente notei que essa é a sinfonia dos Anjos da Morte... Mas já era tarde... Essa melodia incrivelmente tornava-se mais tétrica e horripilante... E a noção de tempo inverteu-se de lento a tensa e apoteoticamente acelerado...

Essa quebra de tempo fora comparável a quebra de um encanto... Porque finalmente consegui desvencilhar-me do pesadelo do sonho... Que até então me manteve cativo, amarrado e acorrentado... E, enfim, estava emancipado... E livre para encarar diretamente o maior pesadelo real e abstrato de toda a vida... Olhei diretamente os olhos sangrentos de caveira pálida a trajar o manto umbrático... O temível Anjo da Morte... Com sua temida Foice que ceiva a vida... E até mesmo a morte... Perante a isso eu... Cativo, amarrado e acorrentado... Tentava gritar e não conseguia... Tentava me mexer e não conseguia... Tentava viver e não o conseguia... Atuando, o Anjo Mortífero desferiu em mim o seu ato final... Permaneci totalmente paralisado... Para sempre...

Como descrever o susto, o medo, o pavor, o pânico, o espanto, o assombro?... O abalo, o sobressalto e o receio foram ilogicamente vertiginosos!... Uma fusão suprassumo e simultânea de hipotensão arterial e hipertensão arterial... Uma noção de tempo invertida de lento a tensa e apoteoticamente acelerado... Uma transição de um quadro cinza para uma tela preta... As últimas obras de arte as quais contemplaria em minha vida... Haveria de contemplá-las eternamente em minha morte... A arte negra e cinzenta do artista Anjo da Morte... E nenhum ínfimo resquício de mínima e remota luz...

O medo da morte não é de morrer, é o de estar em vida e de que não se saber quando de viver-se deixar-se-á... Não vos temeis de Morte por Ele mesmo, meus caríssimos leitores... Temei vós somente de que maneira Ele virá e de quando o fará... Ele, o Anjo de Morte, fá-lo-á apenas provavelmente uma vez em vossas vidas a vir a convidar-se para o Chá da Meia-Noite e/ou para o Chá das Três Horas da Manhã... Embora esse excêntrico Visitante não tenha hora nem lugar específicos para mancar-vos o encontro... Por conseguinte, apreciai... Porquanto a Foice de Morte não é mais cruel e sádica quando ceifa a vida, e sim quando ceifa a morte...

Não há mais terrífico do que morrer quando morto para viver novamente...

E é isto que em vida de morte eu mais temo...

(Angellus Lendarious)

Poeta Lendário
Enviado por Poeta Lendário em 13/09/2024
Código do texto: T8150733
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