Eterna juventude

A noite ia pelo meio e o inspetor Vernon Liddiard já havia acabado de revisar os relatórios do turno do dia; estava cogitando em sair e dirigir um pouco a esmo pelas ruas desertas, tomar um pouco de ar fresco, quando o telefone sobre sua mesa deu sinal de vida. Atendeu no segundo toque.

- É o seu sobrinho, inspetor - disse a voz da telefonista de plantão.

- Grato, Jasmine - redarguiu Liddiard, sentindo-se subitamente apreensivo. O que Emrys queria com ele? Ainda estavam no fim de março e normalmente ele só ligaria próximo das férias de verão. Do outro lado da linha, ouviu a voz do adolescente:

- Oi tio.

- Oi Emrys. Aconteceu alguma coisa?

- Nada que precise se preocupar, tio. Hoje só tive as duas primeiras aulas, e resolvi ver como o senhor estava.

- Ah... obrigado. Eu estou bem. Na verdade, também acabei meu serviço mais cedo e estava pensando em dar um giro de carro pelo centro, ver o movimento.

- Eu já disse que tenho uma certa inveja do senhor, tio?

Liddiard recostou-se em sua cadeira, e fez um gesto de cabeça que o interlocutor obviamente não poderia ver.

- Já, Emrys. E nós já conversamos sobre isso. O seu futuro não está na polícia, se foi nisso que pensou.

O adolescente deu uma risadinha.

- Não, acho que já passei dessa fase, tio... faz uns trinta anos, aliás. Mas eu não desisti de parar de estudar e arranjar um emprego de verdade. A minha inveja é sobre ter uma ocupação, responsabilidades, dinheiro na conta no fim do mês.

- Mas você já tem a bolsa do programa... - começou a dizer o inspetor.

- Já faz cinquenta anos que estou no programa - interrompeu-o Emrys. - Fazendo cursos profissionalizantes noturnos por toda a eternidade... parece que estou no purgatório! Podiam ao menos me liberar para fazer universidade.

- A bolsa não cobre os custos, você sabe... - desconversou Liddiard; e o que sobrava do salário que recebia como policial, era integralmente investido para a compra de um chalé de inverno em Svalbard. Por mais que gostasse do garoto, não pretendia desviar um centavo que fosse para que Emrys pudesse cursar uma universidade. Não antes de, pelo menos, mais um quarto de século.

- Eu sei, tio. E o senhor tem as suas prioridades, não o culpo - reconheceu Emrys com tristeza. - Tenho que te ser grato, porque é o mais próximo de família que me restou.

- Você não precisa ser grato por isso - ponderou o inspetor. - Quando o pessoal do programa me perguntou se toparia ser o seu mentor... o seu tio... eu não pensei duas vezes em aceitar. Nunca tive filhos, e também te considero um parente. Mesmo que não seja de sangue.

Outra risadinha de Emrys, que parecia ter se animado novamente.

- Principalmente não de sangue, tio Vernon. Mas deixe eu lhe falar: se o senhor tem os seus planos para o futuro, eu também tenho os meus. Gostaria que me apoiasse no que vou propor, para que eu possa ir para a universidade daqui a alguns anos... em vez de décadas.

- O que você tem em mente? - Indagou o inspetor.

- Pensei em ir trabalhar nalguma coisa que não exigisse mais que um diploma do ensino médio... e que nem fosse entregador de pizzaria nem guarda-noturno - riu o adolescente. - Alguma coisa em que também eu já tivesse alguns anos de experiência.

- E no que você tem toda essa experiência? - Liddiard estava cético.

- DJ. Posso ser DJ - afirmou Emrys. - Já faço isso informalmente, porque gosto. Se puder ganhar algum dinheiro, melhor ainda.

Ainda recostado em sua cadeira, o inspetor sorriu. De fato, aquilo poderia dar certo. Ele estava há décadas na polícia e não pensava em se aposentar, porque basicamente fazia o que gostava. O garoto poderia ser um bom DJ, e isso talvez ainda lhe rendesse o suficiente para pagar uma universidade no futuro.

- Você me ligou para saber o que eu acho? - Questionou.

- Liguei para saber se aprova, tio Vernon - foi a pronta resposta.

- Eu iria preferir que fosse mecânico de automóveis, sobrinho. Mas aprovo - replicou o inspetor, aprumando-se na cadeira. - Só não invente de tocar em raves, elas se estendem ao longo do dia e isso certamente não vai fazer nenhum bem pra sua saúde...

Do outro lado da linha, Emrys riu.

- Prometo, tio Vernon. Nada de raves... nada de raves.