Prova de vida

Tom Lazarus, o contínuo da 9ª delegacia de polícia, bateu duas vezes na porta aberta da sala de Vernon Liddiard. O chefe dos inspetores não estava visível, e de forma totalmente irracional, o rapaz olhou para o teto, como se Liddiard estivesse pendurado lá, como um morcego. Não, não estava.

- O que foi, Tom? - Ouviu a voz familiar interrogá-lo. Baixou os olhos e ali estava o inspetor, saindo de baixo da mesa atravancada de papéis.

- Desculpe, senhor... achei que tivesse saído - disse o contínuo.

- Perdi o prendedor de gravata... achei que estivesse debaixo da mesa - comentou Liddiard, olhando ao redor como se fosse fazer o objeto desaparecido reaparecer apenas pelo poder da mente. E apontando para as cartas que o rapaz segurava:

- Correspondência?

- Sim, senhor - aprumou-se Tom, estendendo dois envelopes com timbres oficiais para o inspetor. - Um é da Administração de Pessoal...

Liddiard lançou-lhe um olhar torto.

- Grato, Tom. Eu sei ler.

E enxotou o contínuo com um gesto de mão.

Novamente a sós, Liddiard sentou-se atrás da mesa e abriu o primeiro envelope com um abridor de cartas antiquado. Era o extrato bancário mensal, e ele o examinou com atenção, emitindo ruídos de satisfação. Fazia pelo menos cinquenta anos que andava investindo uma parte significativa do próprio salário, e agora estava prestes a conseguir um dos seus objetivos: comprar um chalé de inverno em Svalbard, na Noruega, onde poderia passar cerca de duas semanas salutares de noite polar todos os anos, na segunda metade de dezembro. Além disso, para alguém que nunca gostara de celebrar Natal ou Ano Novo, era uma escolha perfeita.

Como antecipara o contínuo, o segundo envelope era da Administração de Pessoal (ou DP, como ainda o chamava Liddiard). O inspetor havia tido um problema com o pagamento, alguns meses antes, e esperava não ter mais que se aborrecer com o assunto, mas pelo que constatou instantes depois, tratava-se de um problema novo. Suspirou.

- Lá vamos nós, outra vez.

Tirou o fone sobre a mesa do gancho e discou três números. No terceiro toque, alguém atendeu.

- Administração de Pessoal, Jennifer, boa noite.

- Boa noite, Jennifer, é o inspetor Liddiard, da 9ª.

- Sim, inspetor. Em que posso ajudá-lo?

- Recebi uma intimação para apresentar uma... prova de vida. Pode me explicar exatamente para quê isso?

- Ah, inspetor... é um procedimento padrão. O senhor tem mais de 100 anos... a administração quer saber, ah... se o senhor ainda está vivo, para poder continuar na folha de pagamento.

Liddiard ergueu os sobrolhos.

- Jennifer, creio que temos um paradoxo aqui; se eu responder que sim, estou vivo, posso ser processado por falsidade ideológica?

Breve intervalo do outro lado da linha.

- Veja, inspetor... eu não sou do Jurídico. Mas essa é uma exigência do, bom, o senhor sabe... do Jurídico.

- O Jurídico é extremamente inventivo - disse Liddiard pausadamente. - E pelo que li na intimação, este setor só atende presencialmente, em horário comercial... das 8 às 18 h. Você sabe o que isso significa, não sabe?

Novo intervalo, ao fim do qual a atendente respondeu:

- O senhor não vai poder comparecer.

- Bravo, Jennifer! - Ironizou Liddiard. - E agora, que tal deixar um recado para a sua chefe, a Maggie, explicando a minha situação?

- Eu vou fazer isso, inspetor - prometeu a atendente.

- Ótimo, Jennifer! Tenha um bom plantão.

- O senhor também, inspetor - disse a jovem, antes de desligar.

Liddiard não teve que aguardar muito. Na noite seguinte, uma loura esguia bateu na porta aberta da sala dele. O inspetor aprumou-se na cadeira.

- Pois não?

- Sou Geneva Sanford, da Administração de Pessoal. Vim confirmar a sua prova de vida.

Liddiard estendeu a mão, indicando uma cadeira vaga, à frente da mesa.

- Por favor. Mas pensei que vocês não trabalhassem fora do horário comercial...

- Eu trabalho - afirmou Geneva, tomando assento e tirando um formulário da bolsa que levava a tiracolo. - Pronto, é só assinar onde está escrito "assinatura do declarante", e eu assino como testemunha.

- Serviço novo? - Indagou o inspetor, depois de assinar e devolver o papel.

- Não, na verdade - admitiu a loura, guardando o documento na bolsa. - Eu trabalho na seção que faz a visita domiciliar nos casos de prova de vida; só estendemos a cobertura para situações como a nossa.

- "A nossa"? - Liddiard a encarou perplexo.

- Mortos-vivos - redarguiu Geneva, exibindo os caninos pontiagudos num sorriso.