Cigarros Sob a Lua Cheia
Cigarros Sob a Lua Cheia
A lua estava cheia, seu brilho iluminava uma velha estrada de terra. O escuro tomava conta das matas entre as árvores, apenas os grilos eram ouvidos em paz junto dos pios das corujas e a voz aguda dos quase-cegos morcegos caçadores de frutas, os outros sons eram assustadores, o que poderia haver entre as matas escuras durante a noite? Onças ou cães selvagens? Uma cobra peçonhenta ou venenosa?
Nada disso, havia apenas um lobisomem que seguia a estrada em busca de um objetivo especial: saciar seu grande vício.
Após uma longa caminhada correndo tão rápido quanto um lobo feito de sombras demoníacas, o lobisomem avista uma velha casa onde ele não sabia que morava um senhor idoso careca, e que, coitado dele, muito doente por conta da idade e excesso de bebida.
A criatura adentrou a casa, onde foi primeiramente visto por uma mulher que no mesmo segundo desmaiou de medo, mas por sorte dela, o lobisomem não queria nada que ela tivesse a oferecer, pois seu olfato era aguçado, ele sabia bem que apenas uma pessoa naquela casa tinha o que ele precisava. Ele avançou até o quarto do idoso, onde o encontrou deitado em sua cama em seu leito de morte. E então o lobisomem disse:
-Salve, irmão, boa noite primeiramente, deixa eu te perguntar um negócio: senti o seu cheiro de cigarro e queria perguntar se você tem um cigarro pra me arrumar?
-Ah, meu filho - disse o idoso - fumei meu último à poucas horas.
-Nossa…
-Mas eu sinto que minha morte está próxima, eu tenho um último desejo, que é fazer um empréstimo de sete mil reais para comprar tudo em cigarro.
-Mas pra quê tanto cigarro se você vai morrer?
-Pra eu fumar depois de morto.
-Faz sentido.
Então o lobo pôs o velho na cadeira de rodas e o carregou por muitos quilômetros até o banco 24 horas mais próximo.
Ao chegar no banco, tudo se tornou um escândalo, todos começaram a gritar com medo daquele lobo antropomórfico carregando um morto em uma cadeira de rodas, pois sim, o idoso havia morrido no meio do caminho.
Os seguranças apontaram as armas para o lobisomem que imediatamente disse:
-Que isso, que deselegância meu povo, isso aí é lobofobia, só porque eu sou um lobisomem eu não posso usar o banco? Se continuar assim vou ter que chamar o meu “adevogado”.
Envergonhados e com medo, os seguranças abaixaram as armas e pediram desculpas, abrindo caminho para ele pegar a senha, mas na mesma hora, uma senhora com medo que já ia ser atendida lhe entregou a sua senha em papel e foi pegar uma nova.
O lobisomem agradeceu e levou o idoso recém-falecido até a caixa.
-Boa noite, o meu tio aqui tá precisando de um empréstimo de sete mil, demorô?
-Tudo certo - ela respondeu tremendo de medo e pegando os documentos - você trouxe os documentos dele?
-Tão aqui ó - o lobisomem tirou do bolso da camisa do idoso a carteira com todos os seus documentos e entregou para a mulher que imediatamente preparou toda a papelada e pediu a assinatura do idoso.
-Assina aqui, tio - disse o lobisomem.
O morto nada disse.
-Você precisa assinar aqui, tio, se não não tem como fazer o empréstimo.
Novamente, nada.
-Acho que ele não tá bem - disse a mulher.
-Ele tá sim - respondeu o lobo - ele é forte.
A cabeça balançada de um lado para o outro pendurada apenas pelo pescoço flácido. O sangue já havia parado de circular, suas mãos estavam escuras e o resto cadavérica e morbidamente pálidos.
-A cor dele não tá legal - observou a mulher.
-Ele tá bem sim, ele tava segurando a cadeira o caminho todo. Tio você tem que assinar, se você não assinar, não tem como pegar o dinheiro.
Uma força superior bateu o coração do morto, que imediatamente respirou fundo e criou forças para assinar seu nome.
-Ae, tio, aí sim, hein - disse o lobo enquanto a mulher pegava o dinheiro - só força aí, moça, fica com Deus.
-Amém.
O lobisomem voltou a levar o idoso semi-morto de volta à sua casa, parando apenas para comprar os sete mil reais de cigarro em todos os bares, botecos, postos de gasolina e quaisquer outros lugares até gastar todo o dinheiro com cigarro.
No meio do caminho o idoso semi-morto disse para o lobisomem:
-Obrigado, amigo, mas agora preciso ir, pode pegar alguns maços e seguir seu caminho, minha hora está chegando.
-Oooh, só força, irmão, boa caminhada até onde você for, valeu demais aí o cigarro.
-Vá na paz, meu filho.
-Ooooh, falou aí irmão, fica com Deus!
-Se ele me deixar fumar cigarro no céu eu fico, do contrário eu fico na Terra mesmo.
-Pode crê irmão, boa sorte aí, fui.
-Adeus, amigo.
O senhor segurou cinco cigarros de palha em uma mão, se levantou para caminhar, pegou o seu isqueiro e acendeu um cigarro em sua boca.
Após muitos e muitos cigarros, ele começou a tossir até a morte. Entidade essa que quando se aproximou, lhe concedeu o seu maior desejo, que era fumar por toda a eternidade, até o fim do mundo, e até após isso.
Desde então o morto anda fumando para sempre em uma encruzilhada os mesmos cigarros de palha, pedindo um cigarro para qualquer um que se aproxime.