A sineta
- Godspeed?
- Goodspeed - corrigi. - Hettie Goodspeed, minha falecida sogra.
O agente funerário molhou a caneta no tinteiro e escreveu meticulosamente o nome no documento diante dele sobre a mesa. Depois, aplicou o mata-borrão sobre a tinta fresca e ajeitou os óculos sobre o nariz adunco:
- Bem, senhor Trembath, ainda há um detalhe sobre o sepultamento que precisamos definir.
- Sou todo ouvidos - redargui.
- O senhor deseja que instale uma campainha no túmulo? - Indagou de modo casual, colocando a caneta no suporte.
- Uma campainha? - Ergui os sobrolhos. - Para quê minha falecida sogra iria precisar deste artefato?
O agente abriu as mãos.
- Apenas para o caso... o senhor sabe... dela não estar realmente morta.
E diante da minha expressão estupefata, ele apressou-se em explicar:
- Há casos de pessoas que entram em estado de catatonia... aparentemente, estão mortas, mas podem recuperar os movimentos a qualquer instante. Caso ela esteja viva, poderá puxar o cordão da campainha e fazer soar uma sineta colocada na parte externa do túmulo. Assim, chamará a atenção de um coveiro ou de alguém que esteja passando por perto, e que poderá providenciar socorro.
Fiz um gesto afirmativo.
- Sim, entendi agora. Deveras engenhoso.
Em seguida, perguntei quanto me custaria a instalação do tal dispositivo e diante da resposta, balancei negativamente a cabeça.
- Em vida, minha sogra sempre foi uma mulher muito barulhenta. Creio que finalmente poderei viver meus dias sossegado, sabendo que ela não vai sair de onde está, muito menos me fazer visitas.
E vetei a instalação da campainha.
* * *
Naquela noite em casa, ao passar em frente à porta fechada do quarto de hóspedes, pareceu-me ter ouvido uma sineta soar duas vezes. Abri, e como seria de esperar, não havia ninguém ali dentro.
- Tarde demais, Hettie - declarei, ao fechar a porta. - Tarde demais.
- [19-03-2024]