OCEANOS DE TEMPO

DRÁCULA parte da Romênia para Londres com um único propósito ardendo em seu peito: se reunir novamente com o amor de sua vida, e aniquilar tudo e todos que possam porventura à vir separá-los de novo.

[…]

O Conde caminhou pelas ruas de Londres um tanto atônito ao observar as influências do Novo Mundo estabelecidas pela cidade, e principalmente, nas relações sociais. Não saía muito de seu castelo na Romênia, pois considerava o lado externo tedioso demais para ser explorado, mas tinha noção dos avanços humanos nas sociedades pelo mundo. Afinal, era alguém que apreciava a cultura e as ciências e, nesses quesitos, não podia negar que o homem vinha produzindo maravilhas impressionantes.

Por dentro da multidão londrina poderia muito bem se passar por um nobre cavalheiro. Entretanto, estava ciente de seu grande poder de sedução, então educadamente ia cumprimentando algumas moças pelo caminho, que sem darem o trabalho de disfarçar lançavam pra cima dele olhares de cobiça. Outras ousavam flertar abertamente, fazendo-o sorrir de lado. Era típico, tão simples deixá-las cativadas que chegava a ser um tanto entediante.

Às vezes, se permitia apoiar em sua elegante bengala vitoriana; não porque estivesse cansado ou necessitasse de apoio, mas para demonstrar um pouco de maneirismo humanizado, pois tinha a absoluta certeza que os outros ao seu redor poderiam começar a conjecturar coisas a seu respeito. Não desejava que começassem a criar cochichos sobre sua pessoa, afinal tinha acabado de chegar e pretendia ficar ali por um longo período.

Alguns gentlemen passavam por ele curiosos, perguntando-se quem seria aquele. Drácula em todo o tempo em que caminhava tranquilamente pela calçada manteve um sorriso presunçoso sabendo de seu efeito provocante sobre aqueles pobres mortais. Mas o objetivo ali era outro. Deu-se início à procura por um certo alguém no meio da multidão. Estava tentando permanecer o mais sossegado possível, buscando a todo custo dissipar a sombra de ansiedade que ameaçava se alojar em seu peito. O rosto dos estranhos passava por ele como sombras. Mas só um iria chamar sua atenção. Ele observou, suspirou frustrado mais um tanto de vezes, continuou em sua busca...

Foi quando ele fora tomado por um inesperado calafrio. De repente, os burburinhos das pessoas foram se enfraquecendo ao seu redor e o tempo tornou-se lento.

O Conde virou-se atraído pela energia pulsante que genuinamente rogava pela sua atenção do outro lado da rua. O chamado fervoroso da alma de Elisabeta foi o que o fez encontrá-la dentro do mar de gente e, assim que viu sua amada, pousou seu olhar devoto nela pela primeira vez em séculos. Todos os rostos das belas damas inglesas não poderiam causar o furor quente que ele sentiu ao vê-la.

Drácula respirou profundamente, sendo que normalmente nem necessitava, mas por conta da intensa onda de emoções que lhe atingiu teve de inspirar fundo. Sentiu-se fraquejar, e por pouco quase não conseguiu manter a compostura. Ele soltou o ar de seus pulmões pesadamente enquanto seus olhos fixados na figura estimada de Elisabeta a contemplavam sem acreditar que aquilo estava de fato acontecendo. Pareceu- lhe que tinha esquecido como se fazia todas as outras coisas, como se não conseguisse fazer outra coisa senão olhar para ela. Por um momento se perguntou se seus próprios olhos não estavam lhe traindo. Não seria aquela uma ilusão, alguma espécie de delírio criado por algo além de sua compressão para o simples intuito de tentá-lo e torturá-lo mais ainda, como se sua miseravel vida já não vinhesse sendo uma horrível tortura?

O Conde sentiu sua respiração falhar. Os longos cabelos escuros que ela possuía encontravam-se presos em um coque refinado. Automaticamente, sem que se desse conta, sua mente viajou para uma outra época, uma época em que viviam uma vida felizes e juntos. Uma época em que passavam horas a fio no jardim de seu castelo desfrutando da companhia um do outro. Uma época em que naquele mesmo jardim, Elisabeta repousava a cabeça no colo de seu querido príncipe enquanto o mesmo lhe acariciava os cabelos assistindo ao pôr do sol. Uma época em que Vlad conhecia somente a pureza de amar e ser amado, o amor em sua forma mais pura e plena.

A doce memória se esvaiu e o coração do Conde palpitou descompassado. Seu interior se agitou e todas as células de seu corpo reagiram em sobressalto. De repente ele sentiu-se faminto, ou acredita que sentiu uma sede subitamente. E observar aquele fato não fez o menor sentido. Afinal de contas, já havia se alimentado na noite anterior, caso contrário não estaria se dando o luxo de estar caminhando tranquilamente pelas ruas londrinas fervilhando de sangue fresco por todos os cantos. Algo estava errado. Foi quando refletindo e questionando a si mesmo ali imóvel, sob o domínio daquele sentimento de agonia exultante se alastrando pelo seu corpo, que ele entendeu, ainda com o olhar maravilhado preso em sua amada, que aquela sede não era algo simplesmente primitivo vindo do seu monstro interior. Era a simples urgência de querer correr até ela, tomá-la em seus braços em um abraço apertado e nunca mais soltar; a vontade latente de saciar a sede de sua alma humana, cuja qual ele nem se lembrava mais da existência.

A jovem mulher, inconsciente do olhar penetrante que o Conde lhe dirigia, tinha os olhos tímidos presos ao chão. As mãos, desnecessariamente, ajeitaram a pequena bolsinha em seu braço. Seu andar era tranquilo, sem pressa. E o Conde a assistia deslumbrado.

“Olhe, olhe para mim, agora”, ele ordenou num sussurro com o olhar fascinado em cima dela. A mulher, que até aquele momento tinha o pescoço abaixado, imediatamente levantou a cabeça e sem entender, atendeu obedientemente ao comando. Quando os olhares se cruzaram, a moça não conseguiu explicar o súbito calor que de repente tomou conta de seu ser. Drácula também sentiu o mesmo. Ela desviou os olhos dele parecendo envergonhada, fazendo-o suspirar.

Seguindo a lógica contra sua vontade, ele não correu, mas atravessou a rua em passos apertados enquanto ela entrava na pequena farmácia. Pela vidraça transparente do estabelecimento observou ela trocar algumas poucas palavras com o comerciante, e não demorou para ela ter em mãos o que tinha ido comprar ali.

Drácula decidiu agir, ou melhor, encenar. Fingiu esbarrar-se contra ela sem pretensão. O impacto de seus corpos causou uma exclamação baixa na moça. Num reflexo sobre humano, ele agarrou o pequeno frasco que escorregara das mãos dela antes que o mesmo espatifasse no chão. Entregou-lhe o objeto, sorrindo cortês. Seu cavalheirismo logo causou uma impressão positiva e ela agradeceu em voz tímida. Dessa forma, pôde constatar ainda mais de perto as semelhanças assombrosas de sua Elisabeta de outrora com aquela do presente. As sobrancelhas, os olhos castanhos que mesmo naquela reencarnação não haviam perdido o brilho singelo que possuíam, os lábios rosados e pequenos, a pele pálida e imaculada… era sua Elisabeta inteiramente ali na sua frente em carne e osso. E não apenas uma memória antiga ou um sonho distante.

O Conde deu-lhe um pedido de desculpas e ela lhe ofereceu uma expressão afável por um breve instante, acendendo o pingo de esperança de que ela talvez pudesse reconhecê-lo.

— Minhas sinceras desculpas. Ah, desculpe a minha ignorância, cheguei aqui agora e não conheço muito bem sua cidade. Poderia você, bela dama…

A jovem o interrompeu no meio de seu discurso e ele se perguntou se teria comentado algo ofensivo.

— O mapa da cidade custa seis pences. Tenha um bom dia — ela falou tentando se fazer educada e se esgueirou indo para longe dele.

Drácula mordeu o lábio e levantou as sobrancelhas, pasmo.

— Eu a ofendi — comentou alto por sobre as vozes das pessoas a sua volta.

Ela virou-se para ele com uma expressão questionadora. Por dentro ele gargalhou consigo, sombriamente, vendo aquela expressão. Ela parecia bastante destemida ao encará-lo daquela maneira. Geralmente os outros nem conseguiam manter contato visual com ele, fruto da aura tenebrosa que sempre o acompanhava.

— Estou procurando pelo cinematógrafo. Eu ouvi dizer que é uma das maravilhas do mundo civilizado — ele continuou numa voz apaziguadora tentando ganhar um pouco de sua confiança. Não obteve sucesso.

— Se quer conhecer cultura, visite um museu. É o que não falta aqui em Londres, com licença.

O Conde ficou espantado com a maneira a qual ela lhe cortava. A moça o deixou para trás, determinada a ir embora. Pelos céus e infernos, ele não a permitiria escapar!

Quão não foi a genuína surpresa por parte dela em perceber a presença dele em outra rua que havia acabado de entrar, para justamente escapar dele? Como aquilo era possível? Há poucos segundos ele estava lá atrás, e agora estava ali como se tivesse se teletransportado magicamente.

— Uma dama tão bonita e inteligente não deveria estar andando pelas ruas de Londres sem a companhia de um cavalheiro — ele falou de cabeça erguida. O Conde tentou fazer destas palavras as mais inocentes possíveis, no entanto, ela pareceu mais brava do que anteriormente.

— Senhor, por acaso eu o conheço? Conheces meu marido? Deveria eu chamar a polícia? — a moça perguntou nervosa olhando para os lados, o peito subindo e descendo numa respiração acelerada.

Drácula não soube entender o porquê de ter criado a falsa ilusão de que ela pudesse ser receptiva naquele primeiro momento. Afinal, para ela, ele era um completo estranho. E além disso, de todas as palavras que saíram de seus lábios, apenas uma martelou em sua cabeça. “Marido”; então Jonathan Harker já era considerado de tal afetiva forma… o Conde abaixou os ombros com uma tristeza estranha cutucando seu peito. Suspirando frustrado, prometeu a ela que não lhe seria mais um incômodo. Passou por sua amada nutrindo certo rancor do jovem Harker. Mas, quase que instantaneamente, chegou à conclusão de que a dinâmica da situação exigia que ele desse espaço para ela. Talvez o melhor a se fazer fosse apenas esperar que Mina viesse ao seu encontro.

Geralmente, não tinha nenhum problema em usar seus poderes de manipulação e hipnose nos outros, porém, a ideia de alienar ela colocou-o numa posição de negação. Não usaria suas artimanhas nela. Drácula chegou a um consenso difícil: esperaria. Só que desistir de conquistá-la estava fora de cogitação.

Ora, qual não foi seu espanto em ouvir ela chamá-lo novamente numa voz baixa e suave.

— Senhor, perdão. Fui rude. Se estás procurando…

O Conde tratou de suavizar a expressão melancólica e virou-se de novo em direção a ela carregando no rosto um sorriso simpático.

— Por favor… primeiro de tudo, deixe-me introduzir minha pessoa — disse fazendo-se presente na voz o sotaque forte de seu país natal. — Eu sou príncipe Vlad de Sighișoara — retirou o chapéu em reverência.

— Príncipe…

— Eu sou... — começou dizendo firme. — … seu devoto servo — terminou a frase e voltou o chapéu à cabeça. A moça balançou a cabeça.

— Wilhelmina Murray — apresentou-se cordial.

Drácula fitou em admiração sua outrora querida princesa e amável esposa, encantado por estar diante dela após tanto tempo. Aquele olhar tão intenso refletiu num sorriso desconcertado em Mina. O Conde escutou os batimentos cardíacos dela acelerando significativamente…

— É um prazer, Lady Mina — ele disse em uma voz firme e profunda. Ainda sorrindo sem jeito, ela lhe indicou o caminho e então seguiram andando pela avenida movimentada.

[...]

No cinematógrafo, um filme em cores de preto e branco era reproduzido, cujo qual não atiçava nenhum mínimo interesse em Drácula. Mina parecia acanhada. Para cortar o silêncio entre ambos, ele fez um comentário sobre como as ciências estavam desenvolvidas para a época, ao qual ela respondeu lacônica.

A atenção do Conde Vlad estava exclusivamente voltada para a bela dama, e por mais que tentasse disfarçar, não conseguia tirar os olhos de cima da jovem; somente ela existia ali naquela sala. Ousaria dizer que, para ele, ela era a única pessoa existente no mundo inteiro naquele momento.

Mina mordeu o lábio inferior tentando não pensar muito no interesse estranho que ele estava nitidamente transmitindo por ela. Não foi capaz de manter o coração calmo, e então sentiu-o acelerar quando ainda percebeu o olhar fixo do príncipe romeno preso em sua pessoa. Pelos céus, que espécie de olhar mais enigmático e intenso era aquele?! Mina ora sentia-se lisonjeada por ser objeto de tão vigoroso interesse, ora temerosa pelo mesmo fato.

Drácula ouviu os batimentos frenéticos do coração dela ressoando; a respiração ofegante e as bochechas se pintando de vermelho foram para ele indícios de que estava próximo demais, sendo indiscreto demais... Oh, calor que emanava dela estava sendo um convite delicioso demais para se resistir; oh, como ele gostaria de poder tocá-la, beijá-la, tomá-la para si!

Ele percebeu que de fato estava se portando de maneira um tanto quanto grosseira, e se amaldiçoou quando farejou o inebriante cheiro do medo exalando dela. Em outra ocasião, com outra pessoa, ele acharia toda a situação estimulante e não hesitaria em beber o sangue de quem quer que fosse. Mas não, ele não queria causar medo em Mina, mesmo sabendo que era algo inevitável a ser feito. Sem saber como fazê-la se sentir mais confortável em sua companhia, Drácula observou quieto os lábios dela se entreabrir, a respiração pesada fazendo as palavras soarem mais como um sussurro.

— Eu não deveria ter vindo, preciso ir…

Ela lançou um breve olhar que ele conhecia muito bem, pois já vira aquela expressão em outras faces; pavor, desconfiança, temor. Repreendeu a si mesmo, furioso. Se ele ao menos tivesse em seu alcance a capacidade de fazer com que sua presença não fosse tão intimidante daquele jeito, pelo menos para ela; especialmente PARA ela!

O coração se apertou quando viu Mina se afastar novamente para longe dele, evidentemente incomodada. Ele apertou a mão em punho; um homem não deveria sofrer a dor de ver sua amada ir embora tantas vezes em uma só vida. Cerrou os olhos e respirou fundo tentando se manter equilibrado, no entanto, a tarefa era difícil até mesmo para ele. Começou a relembrar da dolorosa partida dela da última vez. Lembrou-se daqueles longos e torturantes séculos, sobrevivendo sem uma parte de seu coração; a grande parte do coração dele que tinha ido embora com ela quando a mesma partiu.

Não havia passado um dia sequer em que ele não sentisse aquele buraco enorme e insuportável no peito. Todos os dias daqueles quatro séculos haviam sido horríveis e amargos. Nem mesmo se alimentar do sangue dos homens conseguia lhe saciar, pois a falta de Elisabeta era a maior causa de sua fome.

Era insuportável vê-la partir de novo, de mãos atadas sem nada poder fazer. Era absurdamente doloroso. Então ninguém poderia culpá-lo pelos eventos seguintes, que foram justamente causados por seu descontrole, medo e, em grande parte, a angústia se acumulando em seu interior calejado. Sem muito pensar nas consequências, o Conde virou-se para ela numa velocidade anormal e tentou soar o mais suave possível quando colou os lábios em seu ouvido.

— Não tenha medo de mim — ele clamou em um sussurro aflito.

Os olhos dela se abriram em alerta quando ele agarrou-lhe a cintura e flutuou com ela em direção a uma sala vazia do outro lado do prédio. Mina se debateu inutilmente em seus braços, implorando para que ele parasse com aquilo. Drácula não parou! Se dependesse dele, ela nunca mais sairia de seus braços! Odiou ter que tomar uma atitude tão indelicada quanto aquela. Queria esperar por ela, deixá-la tomar seu tempo, se aproximar aos poucos. Mas decidiu mudar de estratégia. Foi o desespero de Vlad, apreensivo em perder sua querida de novo, que fez tomar medida tão drástica. Imobilizou Mina em um banco próximo e sussurrou palavras de pronúncias desejosas em sua língua mãe, palavras que Elisabeta reconheceria. Mina sentiu aquelas palavras queimarem dentro de si. O brilho de assombro nos olhos dela acendeu uma chama no coração de Drácula que se aquiesceu internamente. Acariciou-lhe o rosto e o calor da pele dela esquentou sua mão mesmo que estivesse enluvada.

— Eu cruzei oceanos de tempo para te encontrar — ele finalmente desabafou sôfrego numa voz tão profunda e cheia de emoção que Mina sentiu-se arrebatada e a se permitir fechar as pálpebras, desejando, repentinamente, se entregar de corpo e alma àquele estranho.

— Oh, céus. Quem é você? Hm, eu… eu o conheço, sei que sim… santo Deus! — ela murmurou rouca, extasiada pelo toque dele. Ansiou por mais daquela sensação. Quis que ele a fizesse sua ali mesmo. Prudência? Ela não reconhecia aquela palavra.

Mina de olhos cerrados e expressão tão graciosa fez a besta dentro dele se agitar e grunhir em ânsia. As emoções o fizeram perder os sentidos; amor, paixão, fome, sede, tudo se tornou uma imensa bola de fogo dentro de seu coração. Jamais havia atingido aquele estado de agitação alucinante antes! Não soube discernir se dava ouvidos ao homem ou a besta. Todas as suas facetas lhe sussurravam pensamentos ora sombrios, ora enamorados.

Sem saber a quem dar devida credibilidade, Drácula sentiu os caninos crescerem ao mesmo tempo em que, inconscientemente, movia gentilmente a cabeça de Mina, deixando o pescoço da jovem vulnerável e exposto da maneira que o monstro dentro dele desejava. Inspirou fundo, experimentando o cheiro intoxicante de sua amada. Deus, ele estremeceu em agonia! Se apenas o aroma de Mina era capaz de quase enlouquecê-lo, mal podia conceber a ideia de cravar seus dentes na maciez de pescoço.

O conde sequer havia percebido que se encontrava a poucos centímetros de fincar as presas na pele convidativa da amada; por pouco quase cedeu ao seu instinto animal!

Mas, graças a Deus, foi capaz de se retrair no momento em que gritos do lado de fora da sala preencheram o prédio, pegando ambos de surpresa. Ele se afastou de seu objeto de desejo, enojado consigo mesmo pelo momento de fraqueza. Quão estúpido era!

Mina abriu os olhos em pânico. Atordoada, correu dali sem nem olhar para trás. Ao longe, conseguiu escutar os grunhidos ferozes do lobo que tinha de repente invadido o cinematógrafo. As pessoas se chocavam uma contra a outra desesperadas procurando por uma saída.

O caos tinha se instalado no lugar. E Mina ainda se encontrava anestesiada pelos momentos anteriores. Sem prestar atenção, entrou em uma outra sala vazia no fim do corredor para se esconder da fera. Mas soltou uma exclamação de pavor quando deu de cara com o lobo branco lhe encarando, mostrando-lhe os dentes afiados. Pensou que seria seu fim, ali naquela sala, com aquela fera raivosa. Quando não esperava tomar outro susto, a voz do príncipe Vlad tomou conta do ambiente.

— Stroi, moloi! — disse com firmeza.

Era como se aquele homem estranho tivesse alguma familiaridade com a besta, e Mina assistiu àquela cena assustada sem discernir se deveria se mover ou permanecer quieta. Na melhor das hipóteses era melhor se manter imóvel do jeito que estava e chamar o mínimo de atenção para si.

O lobo encaminhou-se para perto do Conde, obediente e calmo. Vlad se abaixou e acariciou o pêlo macio do animal, depois voltou-se para uma tensa Mina estática ao lado da porta.

— Venha Mina — ele disse, suave.

Cedendo a sua voz, Mina se aproximou. O medo aos poucos se dissipando. E quando chegou perto o suficiente, ao se abaixar, o animal não pareceu assim tão terrível. Ela ousou massagear a pelagem do lobo. Sorriu ao sentir a maciez do bicho. Lançou um olhar rápido para Drácula e sorriu impressionada pela calmaria que de repente havia se instalado ali. Nunca imaginaria um dia ser capaz de acarinhar um animal selvagem como aquele.

As mãos de Mina e Vlad passearam em harmonia por cima do pêlo branco e macio. As luvas não foram capazes de restringir o calor e arrepio que ambos sentiam quando suas mãos se encontravam pelo caminho; como uma dança erótica, passional e ainda assim contida e paciente.

O lobo era a representação do monstro sendo domado. Assim como o monstro, ele era também uma fera selvagem, mas sob o poder do amor, da pessoa que amava e confiava se tornava dócil, submisso e sereno. O contraste da maldade.

Drácula capturou a atenção de Mina para si com seu olhar reflexivo. Dessa vez, ela não desviou os olhos dele. As mãos ainda se mantinham entretidas na dança lenta, cheia de significados. Mina foi possuída por sentimento incomum em relação àquele homem; estaria mentindo se dissesse que não sentira um estranho elo entre o Conde e ela. Era inexplicável, mas ao encarar no fundo dos olhos de Vlad sentiu que ele sabia todas as respostas para as dúvidas que começavam a surgir em sua mente.

Drácula ciente de toda a história envolvendo ambos, toda a verdade, decidiu em resoluto silêncio que teria Mina para si. Sabia que estava sendo egoísta, mas assim que toda a verdade fosse revelada apenas esperava do fundo do coração que ela pudesse compreender. Porque ela era sua Elisabeta ali, reencarnada, sem saber de todos os fatos que ocorreram quando foi embora. Ela merecia saber a verdade. Decidiu-se firme que passaria por cima de tudo e de todos se fosse necessário para que a mulher à sua frente voltasse a pertencer a ele, e somente a ele. Pois era esse o curso natural, sempre fora. O destino de ambos tinham sido traçados até aquele momento para que pudessem recomeçar uma vida nova. Disso ele tinha absoluta certeza.

Nada e nem ninguém lhe tiraria novamente a razão de viver, seu júbilo em pessoa, sua alegria, seu contentamento mais tenro, sua Mina; o amor de sua vida, de todas as suas vidas.

O seu amor por ela tinha se mantido inabalável através de todos aqueles séculos. Nada mais seria capaz de impedir que vivenciasse de novo aquele amor com seu bem mais precioso: Elisabeta.

NOTAS DA AUTORA: Esse texto foi escrito como uma releitura de uma cena do filme Drácula de Bram Stoker, do diretor Francis Coppola. A cena se passa em Londres, onde Drácula reencontra sua tão perdida amada ao som de uma das trilhas sonoras mais belas: Love Remembered.

Ansyel Violet
Enviado por Ansyel Violet em 14/10/2023
Reeditado em 14/10/2023
Código do texto: T7908576
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