A mulher no espelho

Sara acordou no escuro do quarto com uma vaga sensação de que algo estava errado. Virou-se para o lado na cama, tentando voltar a dormir, quando ouviu um ruído abafado, como se alguém estivesse batendo num vidro. A custo, ela entreabriu um olho na direção da janela, cujas cortinas estavam semicerradas. A lua em quarto crescente ainda brilhava no céu, mas não viu nada nem ninguém lá fora que pudesse estar provocando aquele barulho. Além do mais, estava no segundo andar da casa.

Foi somente quando o barulho voltou, que ela imaginou ter descoberto a origem do som: o espelho da velha penteadeira Chippendale, em frente à cama de solteira. Sara girou na cama e ousou encarar o móvel com os dois olhos bem abertos. Por trás do vidro, vislumbrou um vulto de mulher, com um véu cobrindo a cabeça. Sara sentiu o sangue gelar nas veias.

- Oi - disse o vulto de forma amistosa.

- Quem é você? - Murmurou Sara. - É um fantasma? Estou sonhando?

- Não é um sonho - assegurou a mulher dentro do espelho. - Eu estou mesmo aqui, olhando pra você na sua cama.

- Você morreu e ficou presa na penteadeira? - Questionou Sara, surpresa com a súbita coragem revelada.

- Foi um encantamento - assegurou a mulher do véu. - Você pode me ajudar a sair daqui?

- Se eu te ajudar, nunca mais vai aparecer pra me pegar outro susto? - Questionou Sara.

- Eu não queria te assustar - defendeu-se a mulher. - Mas como ia fazer para chamar a sua atenção, se só posso aparecer em noites de lua?

- Está bem. Então, eu te ajudo e você vai para o lugar onde os fantasmas vão?

- Prometo - disse a mulher, ajeitando o véu.

- Certo. O que tenho que fazer?

- Você deve mandar limpar o espelho desta penteadeira. Mais precisamente, deve mandar raspar o fundo pintado e colocar uma nova camada de tinta prata.

- Então, raspando o fundo do espelho você estará livre?

- Isso mesmo - assentiu a mulher do véu.

- Tá. Vou ver quanto vai me custar isso e faço assim que der - prometeu Sara. - Já posso voltar a dormir?

- Fico muito grata - disse a mulher com alívio. - Pode sim.

* * *

Na manhã seguinte, Sara ligou para a mãe e contou o sonho estranho que tivera.

- Então, você conversou com um espírito preso atrás do espelho? - Questionou a mãe.

- Foi. E ela me deu instruções bem específicas do que fazer para que pudesse se libertar.

- Acho que não custa nada atender esse último desejo - ponderou a mãe. - Mas você vai tirar essa penteadeira da sua casa imediatamente. Mande para um restaurador, peça para ele trocar a pintura do fundo e depois colocar o móvel à venda em troca de comissão.

- Puxa, mãe, eu gosto dessa penteadeira...

- Sara, imagine se você liberta essa mulher do espelho e ela resolver ficar vagando pela sua casa toda, em vez de ir para o além-túmulo?

Sara refletiu sobre o que a mãe acabara de dizer e acabou concordando com ela. No dia seguinte, livrou-se da penteadeira Chippendale e comprou uma moderníssima da IKEA para substituí-la.

- [26-09-2023]