DANÇANDO COM LOBOS

Eu ouvi dizer que não é fácil encontrar um amor duradouro, não digo nem verdadeiro ou eterno, vamos ficar só com o básico, um amor duradouro.

Algo que dure mais que só algumas semanas, mais que alguns meses, algo que seja capaz de durar por anos, muitos anos e aí quem sabe, se eu tiver muita sorte, a vida toda...

Até o momento não tive muita sorte e a cada ano que passa eu fico mais descrente nessa coisa fantasiosa que se chama amor.

Talvez sejam as luzes da cidade, talvez sejam os carros passando, talvez seja porque nesse momento estou caída no chão encarando as estrelas, ou aquilo que penso serem estrelas, talvez seja uma porção de motivos que juntos significam que amor não existe.

Só existe o momento, só existe a paixão.

Algumas pessoas passam por mim, mas uma multidão ainda permanece me cercando, o sangue que escorreu quente pelo meu nariz já esfriou, a visão que antes estava turva já clareou, a minha cabeça já não dói mais, mas o sangue que escorreu pela calçada, indica que não está tudo bem, será que vai ficar?

Os meus amigos estão chorando, todos nervosos, o Roberto está aqui com o nariz escorrendo, me sujando mais do que já estou, ele grita comigo, mas não ouço nada, só um grande assovio que se prolonga eternamente.

A última coisa que me lembro bem foi daquela discussão dentro do bar antes de sair irritada com meu namorado, ele insistia que eu estava dando mole para o garçom, ele gritou na frente do pessoal, me chamou num canto e usou aquele tom.

Pôs o dedo no meu rosto, parecia rosnar como um animal selvagem enquanto “falava”.

Acho que o álcool inibiu minha submissão habitual, pois a resposta que eu dei o desagradou tanto que ele quebrou meu nariz, independente das testemunhas no bar...

Não terminou muito bem para ele, já que foi expulso do bar, mas definitivamente foi pior para mim já que assim que coloquei os pés para fora, a única coisa que vi foram os faróis brilhantes que vieram em minha direção e não pararam.

Não pararam e aqui estou, estirada no chão, não sinto mais a maior parte do corpo, não sinto mais vergonha por ter apanhado na frente dos meus amigos, não sinto mais medo dele me machucar e muito menos medo de perdê-lo.

Afinal, do que é que eu tinha tanto medo?

Será mesmo que eu não conseguiria achar alguém melhor? Será que ele era o meu verdadeiro amor?

O amor duradouro? Depois de três anos parece que sim.

Depois de dez anos parece que sim.

Mas eu não pareço ser o amor duradouro ou verdadeiro dele.

É como se o céu noturno se dissolvesse em aquarela agora, ele pinga pelas bordas, as estrelas molhadas perdem ainda mais seu contorno, como um quadro mais obscuro de Van Gogh, será que se eu pudesse ouvir os outros, não agora, mas antes, tudo seria diferente?

Pelo menos esse momento?

Será que isso é amor?

Será que não há nada melhor?

Não dói mais fisicamente, mas ainda assim a ferida é profunda.

A última imagem que vejo em minha cabeça é a primeira vez que ele me empurrou e como prometeu que isso nunca mais iria se repetir.

A primeira vez que ele me esbofeteou, mas foi porque eu mereci.

Porque eu questionei.

Eu não soube entender meu lugar na relação.

Apenas devo servir, foi o que ele disse.

Que botava outra em meu lugar foi o que ele disse.

Que eu nunca encontraria ninguém que me aceitasse do jeito que eu sou foi o que ele disse.

Não dói mais agora do que já doía antes.

Eu só não havia percebido que dançava com lobos.

Que me deitava com um louco, que eu obedecia a um Deus maligno.

Parecia tudo certo.

Parecia que tudo ia ficar bem.

Quando será que começou? Será que foi na primeira semana? Será que foi no primeiro beijo?

Será que foi muito antes dele me conhecer?

Será que será assim para outra pessoa?

Se eu não estivesse obcecada por achar alguém que me amasse acima de tudo, será que seria melhor?

A culpa é minha?

Até o fim a culpa é minha?

Será que vão botar na minha lápide que a culpa foi minha?

A família dele vai falar que era eu quem o provocava, que ele não teve escolha, que foi por impulso, mas que ele não é assim.

Mas ele é assim e nunca vai mudar!

Ele é assim e não tem remédio.

Eu não queria morrer com raiva, mas eu também não queria morrer, queria viver junto dele e ser feliz, mas por qual motivo não foi possível?

Eu fiz tudo que pude.

O céu já escorreu completamente e tudo é um grande borrão azul, mas meus olhos estão abertos, parecendo feitos de plástico, eu sei que está frio, mas também sei que o frio vem de dentro.

Se eu pudesse voltar no tempo, será que faria tudo diferente?

Ou será que inevitavelmente acabaria morrendo no asfalto na esquina de um bar, pelas mãos daquele homem que eu tanto amava.

Não consigo deixar de sentir que esta não é a primeira vez que isto me acontece.

Mas se eu tiver sorte será a última.

E nunca mais.

Será a última vez que as coisas seguem por um caminho tão doentio, e nunca mais.

Nunca mais eu vou morrer de amor.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 26/01/2023
Código do texto: T7704515
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