O JULGAMENTO DA BRUXA

Jezebel corria pela mata fechada, tentava ao máximo ter cuidado com a grama alta afiada e molhada, desviava o melhor que podia das mangueiras imponentes que apareciam em sua fuga.

Há tempos ela planejou aquele momento, cada noite em que esteve apavorada presa no quarto, em cada surra sem motivo, em cada lágrima repleta de ódio que derramava.

Seria fugir, matar ou morrer.

O velho fazendeiro que tomou gosto por ela era muito importante na pequena cidade, nem mesmo o apelo de sua falecida mãe levou a polícia a ir buscar a moça. Os céus, sempre tão bondosos, garantiram que ela sempre teve acesso as ervas para garantir que não geraria nenhum fruto daquele tormento.

Mas sabia, ela sabia que se um dia tivesse de dar a luz a um filho daquele homem, ela enforcaria a criança com o próprio cordão umbilical no mesmo instante.

Hoje era o dia da sua libertação e amanhã...

Amanhã será o dia da sua vingança.

A mulher ouviu barulho de passos pela mata, sons de vozes de homens e patas, eles já estavam no seu encalço.

Mas ela não fugiu sem planejar... Ela não escapou sem deixar pequenos presentes esperando por aqueles que ousassem segui-la.

Durante dois anos ela cavou, esculpiu estacas, prendeu cordas em árvores, havia alguns lugares realmente perigosos, mas estes estavam bem no meio do matagal.

Que era exatamente o lugar ao qual ela os guiava nesse momento.

Ela ouviu o som do bicho, um grande barulho de queda, um urro indescritível, o animal se misturava ao homem.

Jezebel sentia até mesmo o cheiro do sangue, revigorando seu espírito.

A mulher de longos cabelos pretos ondulados corria e gargalhava.

No céu uma grande lua cheia iluminava o seu caminho, mas quanto mais ela corria, mais a mata fechava e para olhos não muito bem treinados, ficava difícil enxergar a trilha.

Isso não era nenhum problema para ela que foi parida e criada naquelas terras, conhecia aquela mata como a palma de sua mãe e ali ela sabia que não seria vencida, depois dessa mata ainda tinha o bambuzal e lá ela daria o golpe final.

Seu longo vestido vermelho esvoaçava com a corrida, seus pés descalços estavam machucados pelas pedras, mas ela não sentia dor, seu instinto a guiava na escuridão crescente.

Com um salto ela pulou pelas pequenas fontes d’água, seguia de peito aberto em frente.

A lua se intimidava pelas nuvens que se aproximavam escurecendo ainda mais a noite, ela teve certeza que estava sendo protegida.

Depois de correr por mais de duas horas sem pausa, ela finalmente estava se aproximando do lugar escolhido.

O som dos homens estava distante ainda, certamente tiveram pena do homem que se feriu em uma de suas armadilhas e o ajudaram.

Se Jezebel quisesse poderia apenas seguir por mais duas horas pela trilha na mata e escapar pelo bambuzal, eles não alcançariam mesmo montados nos cavalos mais velozes do mundo, especialmente depois que a mulher envenenou os bichos.

Mas não era o que ela queria.

Então a mulher tempestuosa parou.

Procurou com cuidado o grande buraco de estacas e deu a volta por ele, agora ela precisava ter paciência.

Finalmente sentou na pedra e descansou um pouco.

Seus pés sangravam e suas mãos tremiam, seu corpo estava frio, mas seu espírito não vacilava.

O som dos homens ficou mais próximo e ela se levantou, precisava que eles acreditassem que ela estava escapando.

Antes de qualquer coisa ela fez uma prece para que as nuvens terminassem de cobrir a lua.

Seu pedido pareceu ter sido prontamente aceito, pois num instante roncou trovoada.

Ela abriu um largo sorriso na medida em que se apagavam os traços de sua mortal armadilha.

Apequenas pequenos raios de luz rompiam a folhagem pesada das grandes árvores, ela ouviu uma cobra piar por perto.

Até a peçonhenta veio assistir o velho fazendeiro ruir.

Um raio caiu não muito longe dali, ela viu a luz se perder completamente e agora a noite preta havia engolido completamente a mata, apenas os sons predominavam, piava a cobra ruim, quebravam galhos, o som das patas aumentava.

O som das vozes dos homens, os gritos por seu nome, ordenando sua volta.

“MULHER MALDITA QUE A TERRA HÁ DE COMER!”

É verdade que ela era pior que o diabo, mas não era ele quem veria seu sangue rolar, ela ainda tinha muita gente para zangar.

Seus olhos já estavam acostumados com o negrume, ela via perfeitamente as silhuetas se aproximando, o cavalo do fazendeiro vinha na frente, ela viu o pelo branco reluzindo e sorriu.

Jezebel se levantou e se preparou para o teatro.

Ela fingiu cair e gritar apavorada.

Olhou para trás com lágrimas nos olhos e esticou os braços como se tentasse suplicar que não se aproximassem.

Os sete homens a cavalo seguravam tochas, mas não foi o suficiente para salvá-los da iminente morte.

Um a um os sete cavalos despencaram no buraco e foram perfurados pelas estacas.

Jezebel ficou sentada por um tempo rindo, mas se levantou para contemplar sua obra, ela constatou que alguns homens sobreviveram com ferimentos de perfuração terríveis que os matariam em algumas horas.

Alguns gritavam e choravam, os animais se debatiam e grunhiam. O som era perturbador.

Os primeiros pingos de chuva tocaram a terra.

A cobra piava como se risse junto da mulher.

Ela estava de pé de frente para o buraco, os homens agonizavam e suplicavam por ajuda, o cavalo branco do fazendeiro estava com um grande buraco no peito, de onde jorrava o sangue vermelho vivo.

Um raio caiu bem atrás de Jezebel, acertando em cheio uma figueira que se acendeu em chamas.

O velho fazendeiro segurava a estaca que o empalou pela barriga, mas não o matou, ele balbuciava palavras sem sentido e seus olhos, muito abertos, pareciam vidrados na cena.

Jezebel dançou no pé do buraco, enquanto a luz do fogo iluminava a pintura de terror.

Os raios riscavam o céu, a chuva apertava, os pingos caíam grossos.

Mas ela não se importava, apenas dançava, dançava e cantava:

- Sou filha de Tiriri, quem me deve vai me pagar.

Por trás dela os homens que sobreviveram, talvez pela dor, talvez por loucura, puderam observaram uma grande figura mais escura que a própria noite se erguer do chão lentamente e se prostrar de pé por trás da mulher infernal.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 21/12/2022
Código do texto: T7676816
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