RETRATO DE CASAMENTO

O marido de Antonieta estava estirado na cama com os braços abertos, os lençóis brancos completamente manchados em vermelho, sua boca entreaberta e o pouco que sobrou de seus olhos, esbugalhados.

A meia luz daquele amanhecer penetrava pelas cortinas brancas, mas a experiência azulada da manhã a torturava mais que o assassinato que acabara de cometer.

É verdade que ela esperou até o momento mais oportuno para confrontar o falecido marido sobre suas inconstâncias, suas indiscrições.

Estava farta de receber ligações de mulheres sem nenhum respeito por ela ou por seu matrimônio, tomou tempo e muito planejamento para chegar até ali.

Ela puxou a peruca loira que usava, arrancou a meia-calça que cobria seus cabelos negros, tão negros quanto sua alma. Você vê, ela não era uma mulher ruim.

Não, ela era uma mulher jovem e cheia de vida que havia abandonado a família para se dedicar ao verdadeiro amor, ou ao que ela pensava ser amor, mas agora já não tinha tanta certeza.

Em suas mãos o pequeno revólver estava soltando fumaça, seria aquilo normal? Ela nunca havia atirado antes.

Será que tudo aquilo era real?

Ela de fato se passou por uma mulher e seduziu seu marido, o fez confessar diversas traições e chegou até mesmo a dormir com ela uma vez, para confirmar até onde ele estava disposto a trair.

Ainda assim ele nunca notou a peruca, ele nunca notou que era ela. Como ele pode?

Como ele conseguia fazer tudo aquilo? O revólver estava frio novamente, ela não sabia quanto tempo levaria para a polícia chegar já que era um motel barato numa zona perigosa da cidade.

Ele era tão burro que foi fácil atraí-lo para aquele buraco.

Ela não precisou se esforçar.

Quanto tempo ela ainda tinha para apreciar sua obra-prima?

Antonieta era pintora e pintou com muito amor todas as suas criações, mas ultimamente não tinha mais confiança, não tinha mais inspiração, sempre terminava com pinceladas grossas vermelhas, riscos e violência.

Ela deixou de pintar a felicidade dos vizinhos e passou a pintar cenários de dor, cenários que surgiam em sua mente quando ela fechava os olhos para tentar descansar.

Cenas que interrompiam seus pensamentos quando regava as plantas.

Quando dormia, sonhava com cães que a devoravam viva, mas ela não morria, jamais morria e quando morreu, sonhou que era um fantasma e ainda vivia na mesma casa com aquele mesmo marido, mas ele não sentia sua falta, ele trazia mulheres para seu leito conjugal como se Antonieta nunca houvesse existido.

Mas quem está rindo agora?

Quem está no controle agora?

Ela finalizou sua última obra com maestria e perfeição, orgulhou-se dos traços e se pudesse fazer uma única crítica, seria ao excesso de vermelho.

Ela sorriu, estava feliz, finalmente depois de tantos anos, ela estava contente e satisfeita com seu bom trabalho.

Antonieta marcou bem em sua memória aquela bela cena, o retrato de seu casamento.

Sentou-se em uma cadeira cuidadosamente posicionada em frente à cama, destravou a arma, recostou o cano na têmpora e ainda com um sorriso no rosto e sem retirar os olhos da pintura do assassinato de seu marido, puxou o gatilho.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 28/10/2022
Código do texto: T7637594
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