À horas mortas

Meia-noite.

A garota de cabelo rosa, saia vermelha xadrez e casaco de couro preto, entrou na lavanderia automática carregando uma cesta de roupas. Olhou direto para mim, que era a única outra pessoa presente no recinto.

- Boa noite ou bom dia? - Indagou, colocando a cesta sobre uma das máquinas.

- Ainda é cedo para dormir, então, boa noite - redargui.

- Você vem sempre aqui? - Indagou ela de um jeito que eu não saberia dizer se era troça ou flerte.

- À essa hora, é mais sossegado - repliquei em tom neutro. A garota era bonita, mas eu não queria tirar conclusões apressadas.

- Então, vem sempre aqui à essa hora - concluiu,olhando ao redor de modo analítico. E depois, novamente para mim:

- Pode me ajudar? Acho que antes as máquinas usavam moedas, não é mesmo?

Contive o riso.

- Moedas? Deve fazer muito tempo que não entra numa lavanderia automática... as máquinas agora aceitam cartões de débito e crédito.

- Cartões... - ela murmurou, franzindo os lábios. - Maldita tecnologia moderna, sempre querendo bisbilhotar os nossos hábitos de consumo.

- Fez uma colocação muito interessante - considerei, colocando de lado a revista que estava lendo e erguendo-me da cadeira de plástico. - Não tinha parado para analisar a situação por esse ângulo; mas eu vou te ajudar. Não tem nenhum cartão com você?

Ela abanou negativamente a cabeça, lábios franzidos.

- Já disse que odeio essas porcarias modernas... - replicou. - Mas preciso lavar a roupa e tenho dinheiro. Posso lhe pagar em moedas e você usa o seu cartão na máquina?

O valor do serviço era relativamente baixo e ninguém falsifica moedas, até onde eu sabia. Mesmo que a garota quisesse me dar um golpe, o prejuízo seria pequeno.

- Deixe-me ver essas moedas - declarei, para não fazer a transação parecer fácil demais.

Ela esboçou um sorriso de mofa e puxou um punhado de moedas de 25 centavos do bolso do casaco. Depositou-as na minha mão, com ar confiante.

- Pode conferir - afirmou.

Não havia nada de errado com as moedas, exceto que boa parte delas havia sido cunhada antes de 1983. Devolvi a parte excedente à lavagem e secagem da cesta de roupas dela.

- Quebrou o cofrinho da sua avó para pegar essas moedas? - Brinquei, enquanto colocava meu cartão numa das máquinas de lavar e a desbloqueava para uso.

- Nunca se sabe quando se vai precisar - foi a resposta enigmática.

Agachou-se junto à lavadora, enquanto eu voltava para a cadeira onde estava, e começou a retirar cuidadosamente as roupas da cesta. Algumas, não pude deixar de notar, estavam manchadas de sangue.

- Acidente doméstico? - Indaguei em tom neutro.

- Fiquei menstruada e nem percebi - replicou ela, acabando de alimentar a máquina. Depois, ergueu a cabeça para mim e percebi que estava sorrindo, a boca rosada entreaberta.

Fechei a revista e comentei, de modo casual:

- Se pretende tirar essas manchas de sangue, acho que somente lavar na máquina não vai dar muito resultado.

Ela me pareceu decepcionada.

- Pior que isso volta e meia acontece comigo - declarou.

- Eu consigo remover essas manchas pra você - atrevi-me a dizer. - Na minha casa.

Ela ergueu os sobrolhos como se estivesse avaliando a proposta implícita.

- Você mora perto daqui?

- Sim.

- E mora sozinha?

- Sim.

Ela balançou lentamente a cabeça, um ar de satisfação lhe invadindo o rosto.

- Bem, acho que não vai tentar se aproveitar de uma garota indefesa, não é?

- De modo algum - prometi solenemente. - De modo algum.

Ela não era mais indefesa do que eu, que carregava uma pistola na bolsa; pelo visto, sabia se defender muito bem apenas com as mãos. E, muito provavelmente, também com os caninos que eu vira brevemente reluzir em sua boca rosada...

- [17-10-2022]