Sanguessuga
Quando Harriet despertou, sobre o leito de palha da masmorra, percebeu com horror que o sol já havia se posto. Através das barras de ferro que cruzavam a única e estreita janela do cárcere, um céu arroxeado e uma única e solitária estrela a contemplavam. Ouviu então passos que se aproximavam pela escadaria que levava ao térreo do castelo. Ainda era muito cedo para que seu anfitrião a viesse ver... ou não?
- Ah, vejo que acordou! - Exclamou o vulto em contraluz, contra as tochas presas nas paredes. - Vim trazer o seu jantar.
Harriet ergueu-se, limpando a palha do vestido.
- Você é o criado do barão Stefan... - declinou ao reconhecer a figura.
- Kian - disse o homem. - Queira se afastar das grades; vou colocar a bandeja dentro da cela.
Harriet obedeceu. Mesmo que quisesse atacar o criado para tentar fugir, ele não abrira a porta da masmorra, mas apenas uma seção estreita ao nível do piso, por onde empurrou a bandeja.
- Espero que goste; - disse em tom amistoso - o cozinheiro do castelo não tem muitas oportunidades de fazer comida para humanos.
Harriet pegou-se pensando se Kian não se enquadrava como tal, mas preferiu não arriscar-se a fazer a pergunta. Descobriu os pratos da bandeja e viu-se diante de polenta, sopa de almôndegas e cozido de linguiça, acompanhados de pão preto e cerveja. O cheiro era delicioso, teve que reconhecer.
- Meus cumprimentos ao chefe - declarou sem ironia, sentando-se para comer num tamborete de três pernas sob o olhar vigilante de Kian. - Imagino que ele não tenha usado alho como tempero...
- Alho não é muito bem-vindo aqui - admitiu o criado.
Harriet descobriu que estava realmente faminta e usou uma fatia de pão para limpar os pratos depois de comer. Depois, empurrou a bandeja de volta sob a porta gradeada.
- O seu senhor virá me ver ainda hoje? - Indagou por fim.
- O barão? - Kian pareceu intrigado com a pergunta. - Não, na verdade; mas a baronesa já deve estar despertando e, ela sim, deseja vê-la.
- As damas primeiro? - Ironizou Harriet, passando a mão pelo pescoço.
- As damas sempre - replicou o criado. - Os humanos acreditam que se alimentar de sangue humano é algo comum a ambos os gêneros, mas na verdade, apenas as vampiras necessitam dele, e mesmo assim quando estão grávidas. No restante do tempo, se alimentam de seiva de árvores.
- Hein? Vampiros são vegetarianos? - Questionou Harriet.
- Na maior parte do tempo, sim - admitiu Kian.
- E a baronesa... ela está... - titubeou Harriet.
- Grávida? - Completou Kian. - Para sua sorte, não.
Recolheu a bandeja e completou:
- Na verdade, a baronesa está fazendo seleção para a futura babá do seu filho.
- E por que estou sendo mantida prisioneira nesta mamorra? - Questionou Harriet, mãos nas cadeiras.
Kian suspirou.
- Madame Stefan paga pouco; não quer que as candidatas promissoras fujam.
- Ah - foi a única resposta de Harriet.
- E quanto ao sangue, - completou o criado - madame prefere o de homens. Pode descansar agora.
- [20-08-2022]