Amigo imaginário
Quando nos mudamos para o interior, Laura, minha mulher, foi matricular nosso filho caçula, Juan, na escola dominical. Algumas semanas depois, ela comentou que Juan havia feito um novo amigo no parquinho da escola dominical.
- Como ele se chama, Juan? - Indaguei.
- Miguel - respondeu.
- Mas o Miguel estuda na escola dominical?
- Não, o Miguel diz que não pode frequentar a escolinha, só o parquinho - disse Juan, muito sério.
Foi aí que Laura se inclinou no meu ouvido e cochichou:
- Miguel é um amigo imaginário.
- Ah, então é disso que se trata - ponderei.
Juan estava na fase dos amigos imaginários. Mas aquilo de dizer que Miguel não podia frequentar a escola dominical...
No final de semana seguinte, finalmente fui até a igreja conhecer o tal parquinho. Ficava num terreno ao lado do templo, e era pequeno e bem cuidado, com gangorras, balanços e escorregas. Mas o que me chamou a atenção foi o que havia do outro lado: um antigo cemitério, como era comum em igrejas do interior.
- Desde o século passado que ninguém é enterrado aqui - garantiu o zelador.
Depois, fui falar com Juan na saída da escolinha e perguntei onde Miguel morava.
- Do outro lado do muro - afirmou Juan, apontando para o muro do cemitério.
- Será que você pode perguntar pra ele onde, exatamente?
Juan franziu a testa. Depois me pegou pela mão e disse:
- Ele vai nos levar lá.
Saímos do terreno da igreja para um pequeno bosque que havia ao lado, e não foi preciso andar muito até que Juan apontou para uma grande pedra, numa clareira.
- Ele disse: aqui embaixo.
Não tive dúvidas de que meu filho havia pressentido algo. Liguei para a polícia e pedi que fizessem uma investigação.
De fato, havia o corpo de uma criança de cerca de seis anos de idade enterrada sob a pedra. Estava ali há mais de cem anos, pelo que avaliaram os peritos.
- Nunca vamos saber ao certo, mas é possível que se tratasse de um filho ilegítimo. Quando morreu, não pôde ser enterrado no cemitério da igreja, e assim o colocaram o mais próximo possível de lá.
Contei a história ao padre, que foi sensível ao meu apelo: Miguel merecia ser sepultado no campo santo.
E assim foi feito. Segundo Juan, Miguel ficou muito satisfeito, por finalmente poder se reunir aos seus pais.
E deste dia em diante, deixou de ser visto no parquinho da igreja.
- [25-06-2022]