Sangue e Solo
O céu de verão era azul, e a estrada vicinal pela qual a caminhoneta empoeirada rodava, vermelha. E, de um lado e do outro do caminho, campos verdes de soja a perder de vista, paisagem só interrompida de vez em quando por grandes estruturas de pivôs de irrigação. Ao volante, Carlos lembrou ao passageiro, Antônio, que não muito tempo antes, todo aquele espaço havia sido uma densa floresta.
- Colocamos tudo abaixo - declarou satisfeito.
- A floresta dá menos lucro do que a soja? - Indagou Antônio.
- Da floresta a gente só aproveita a madeira, e isso só se faz uma vez - menosprezou o motorista. - Tem quem fale em aproveitar a terra para reflorestamento, mas soja sempre vai dar muito mais lucro do que eucalipto.
- Se derrubaram a floresta, o objetivo certamente não era fazer reflorestamento - avaliou Antônio.
- Claro que não - replicou Carlos.
- E a água que abastece os pivôs, de onde vem?
- Do riacho Pardo, uns 500 metros à nossa esquerda; temos bombas e canalização que trazem a água até a plantação.
- Aquilo ali ainda é mata nativa? - Indagou Antônio, ao avistar um solitário capão no alto de uma colina.
- É um resto que não valia a pena derrubar para plantar soja - disse Carlos. - Mas foi ali que disseram ter visto a onça.
- Aquele capão não parece grande o suficiente para acoitar uma onça - analisou Antônio.
- Eu mesmo não vi nada, - replicou Carlos - nem encontraram rastos do bicho. Mas o que mais poderia estar matando os trabalhadores da plantação?
E, dedo em riste:
- Matando e comendo, aliás.
Antônio pensou consigo mesmo que aquilo não era trabalho de uma onça; era um outro tipo de bicho, muito maior e muito mais feroz. Um animal que crescia sem parar, cuidado por humanos para dar cabo de outros.
As folhas verdes da soja pareciam estar manchadas de sangue, mas certamente era apenas a poeira vermelha da estrada de terra...
- [12-06-2022]