O reflexo

[Continuação de "A intrusa"]

- O que... o que... - foi tudo o que Hayrunnisa conseguiu gaguejar, diante da imagem refletida no espelho.

- Você não é Fatma - questionou a mulher do espelho. - Quem é você?

- Fatma? - O nome citado trouxe Hayrunnisa de volta à realidade; ou bem perto disso. - Fatma era minha avó, que vivia nesta casa.

- O que houve com ela? - Indagou a estranha, cruzando os braços.

- Minha avó... Fatma... morreu - conseguiu responder. - E eu sou Hayrunnisa, neta dela.

A estranha deixou pender os braços ao longo do corpo, uma expressão de desalento no olhar.

- Fatma está morta? Como isso é possível? Nos falamos um dia desses!

Hayrunnisa virou-se novamente para trás, ver se a alucinação estava lá. Não havia ninguém. Encarou o espelho e a mulher havia desaparecido.

- Ufa! - Suspirou, levando a mão ao peito. - Devo estar ficando louca!

- Oi - disse uma voz ao lado dela.

O sangue gelou nas veias de Hayrunnisa. No reflexo do espelho, a desconhecida estava agora ao lado dela. Começou a tremer. A estranha sorriu.

- Ei... não precisa ter medo. Não sou um fantasma.

- Como assim... - murmurou Hayrunnisa. - Você só aparece no espelho!

- Imagine se eu estivesse nesse quarto e NÃO aparecesse no espelho - atalhou a desconhecida com ar malicioso. - Acho que poderia me chamar de vampira, então.

Hayrunnisa não sabia se aquilo poderia lhe servir de consolo. Se não era fantasma, nem vampira, o que era a mulher do reflexo? Algum tipo de demônio?

- A propósito, meu nome é Nesrin - disse a mulher.

- Como conhece minha avó? - Perguntou Hayrunnisa, mordida pela curiosidade. Se não olhasse para o lado, a conversação poderia parecer quase normal...

- Eu conheço todas as mulheres que viveram nesta casa depois de mim - redarguiu Nesrin. - A sua avó foi uma delas. Às vezes ficávamos horas aqui, batendo papo... e um belo dia, ela sumiu.

- Vovó estava muito doente... ficou internada por meses - ponderou Hayrunnisa. - Lamento que não tenha podido se despedir dela.

- E agora, você vai vir morar aqui? - Indagou Nesrin curiosa.

- Eu não sei... - admitiu Hayrunnisa. - Agora que voltei, a casa me parece muito grande para uma pessoa só.

- Você não tem ninguém?

- Não.

E contendo a vontade de olhar para o lado, onde não havia nada, indagou:

- O que há aí, do seu lado?

- Aqui é o reflexo daí, mas um reflexo onde não há morte nem decadência - afirmou Nesrin.

- Isso me parece a definição de paraíso - avaliou Hayrunnisa.

- Mas se você se desfizer da casa, esse vínculo será quebrado - advertiu Nesrin.

- Começo a perceber porque é tão difícil se desfazer dessa casa - ponderou.

- Talvez você possa investir numa reforma - sugeriu Nesrin. - E nós poderemos conversar todas as noites sobre o progresso que você está fazendo.

Hayrunnisa fez um aceno de cabeça.

- O que eu gostaria mesmo, é de ver como são as coisas aí, do seu lado.

- Bem, isso é possível - admitiu Nesrin. - Basta estender a mão para mim, ao seu lado.

Hayrunnisa viu que o reflexo de Nesrin estendia a mão para ela e fez o mesmo gesto. Sentiu um comichão elétrico percorrê-la, e no instante seguinte, estava num quarto idêntico ao que havia na casa da avó, mas profusamente iluminado e limpo, a cama coberta com uma colcha bordada a fio de ouro.

E do outro lado do espelho, num quarto escuro e sujo, viu-se a si mesma, sorridente.

- Viu como é fácil? - Indagou a Hayrunnisa do outro lado, antes de desaparecer do seu campo de visão.

- [11-04-2022]