A intrusa
A avó havia deixado a casa em herança para Hayrunnisa, e a jovem decidiu ir morar lá por um tempo, ver se valia a pena se mudar para a residência em caráter definitivo, ou vender o imóvel. A mãe tentou convencê-la de que a segunda opção era a melhor.
- A casa é velha, você vai gastar um bom dinheiro se resolver reformá-la - enfatizou.
- Eu posso reformar e depois vender por um valor maior - ponderou Hayrunnisa.
- O terreno vale mais do que a casa - insistiu a mãe. - O bairro está se valorizando, pois muitas dessas casas antigas estão sendo compradas por construtoras para demolição e construção de prédios residenciais. Se realmente quer morar lá, pode vender e ainda ficar com um apartamento no mesmo terreno.
Hayrunnisa interrompeu a conversa afirmando que, antes de tomar uma decisão, iria experimentar um pouco da vida no imóvel onde a avó vivera sozinha por boa parte das últimas décadas, depois que ficara viúva e as filhas terem se casado e mudado para outras partes da cidade.
- A senhora nunca gostou da casa da vovó, essa é que é a verdade - observou Hayrunnisa, para embaraço da mãe.
- O fato da sua avó ser apegada à casa, não te obriga a ficar com ela - concluiu a mãe, antes de mudar de assunto.
* * *
Quando o táxi a deixou com suas malas em frente ao imóvel, Hayrunnisa pensou que talvez a mãe tivesse uma certa razão. A casa, de dois andares, estava com a pintura desbotada, e o mato crescia no jardim da frente e nas laterais; o quintal, provavelmente, deveria ter se convertido numa selva, após alguns anos de abandono. Ela suspirou e abriu o portão enferrujado, que rangeu nos gonzos para lhe dar passagem. A porta principal estava um pouco empenada, mas nada que um pouco de óleo lubrificante não resolvesse, avaliou.
No interior da casa, reinava o bafio de algo fechado a muito tempo, e lençóis empoeirados cobriam os móveis. Hayrunnisa imaginou que talvez pudesse obter um dinheiro extra vendendo parte do mobiliário para antiquários; devia haver peças bem antigas ali. E, talvez fazendo isso, pudesse bancar a reforma do imóvel...
A energia, como logo constatou, havia sido religada, e havia água corrente - embora a cor da mesma, ao abrir as torneiras, apresentasse uma cor ferrugenta. Ela anotou mentalmente que também precisaria trocar a canalização, e provavelmente rever toda a parte elétrica.
Finalmente, subiu para o andar superior e entrou no quarto da avó, um aposento onde estivera pela última vez quando criança. Parecia menor agora do que naquela época, o que era natural, visto que se tornara adulta, mas a cama de casal com dossel continuava imensa no meio do aposento. E havia também o grande espelho de pé, de armação de mogno, numa das laterais junto à janela que dava para os fundos da casa. Curiosamente, era o único móvel que não havia sido coberto por um lençol, e sua superfície parecia límpida e livre de poeira.
Hayrunnisa aproximou-se e parou diante dele. Viu o seu reflexo e a cama atrás de si, e aproveitou para prender o cabelo num rabo de cavalo. Acabara de ajeitar uma mecha rebelde, quando percebeu pelo canto do olho um movimento às suas costas. Com o coração aos pulos, virou-se rapidamente e não viu ninguém.
Soltou a respiração, levou a mão ao peito e voltou-se novamente para o espelho. Abriu a boca ao ver que, ao menos no reflexo, havia uma outra jovem de vestido longo, do outro lado da cama, olhando silenciosamente para ela com uma expressão de tristeza no rosto.
- Quem é você? - Indagou a jovem no espelho.
- [Continua]
- [09-04-2022]