O VELHO CASARIO

POEMA/CONTO

 

O CASARIO

 

E aquele casario continua lá.

Lá, onde talvez sempre estivera.

Onde indefinidamente estará.

 

Com suas paredes recém-caiadas, porém deixando, a saber, da caduca tinta desbotada,

lavada pelas chuvas.

Nos pedaços de reboco que cai,

como a pele rasgada do braço daquela senhora.

Decompõe-se ainda em vida.__ A velha senhora.

... Necrose existencial.

Confirmação inegável do fim.

 

Coisas assim nos fazem pensar se é preciso o cessar da respiração para "se" falecer...

Talvez morramos um pouco a cada dia, a cada segundo, a cada desgraça despencada.

Intempéries latentes que se despejam em nós, ao longo da estadia por aqui.

Neste mundo de nada, onde tudo é nada, onde tudo ( Tudo!)

desboca nas corridas alucinadas pelo que perece ser, buscando preencher os vazios da alma.

Engano com os quais de banqueteiam os miseráveis.

 

Duvido que alguma lufada de brisa algum dia se adentrou por aquelas janelas!

As janelas do casario...

Olhos profundos, que tenta nos sugar para dentro deles.

Quase posso ver os antigos moradores...

Pelo vão das sombras os vejo.

Quando um faixe de luz adentra

Apressado, temeroso sabe-se lá do que...

Nunca alguém flertou por estas janelas...

Nunca!

... Assim como nunca alguém adentrou cantando um Jazz,

feliz, saltitando, escancarando as portas imensas de carvalho.

As portas do casario...

Ah, aquelas portas!

São portas que comportam segredos

Todos os mistérios do mundo lá dentro!

Impenetráveis.

Soterrados sob toneladas de lágrimas, rios que não se compadecem.

Quanta desesperança!

O fenecer da fé.

A cada tempestade de vendavais

Arrancando as telhas, que voam impiedosas sobre as demais pequenas casas da rua.

 

Mas as casas da rua mudaram muito com o passar do tempo.

Tintas de qualidade foram pinceladas nas paredes

Em texturas modernas,

Em cores criadas ao gosto do cliente

Do novo morador...

Por estas outras casas saíram avós em caixões de pinho

Mas seus descendentes não.

Os pais permaneceram.

Cuidando dos seus filhos e mais adiante dos netos, saltitantes e risonhos, emprestando

sonhos nos buracos do sofá, no rabisco na parede...

O amor, ali, não tem esse ar de surre alidade.

Ali, naquelas pequenas casas, o amor, (esse conto) se fez verdade!

 

Mas no casario não há nem vislumbre de tal sentimento.

As árvores dos quintais se debruçam sobre ela, com seus braços imensos, espectrais,

mortos de folhas ou menos ainda, de algum fruto deleitável....

Folhas secas varrem o chão de terra vermelha... Melancólicas e abismais.

Os transeuntes que caminham pela rua viram dela o rosto, suspendem a respiração por alguns segundos.

Arrepiados.

Nem mesmo sabem explicar. Mas algo torpe ameaça a sanidade de quem ousa adentrar por entre aqueles murais que circundam o casarão.

 

Tudo ali é ausência.

Ninguém nunca viu uma borboleta, ou um pardal, a revoar por ali!

Não há um só lugar onde algum dia alguém tentou cultivar margaridas

Apenas a tênue lembrança de um jardim.

Talvez nem memória!

Talvez um vislumbre agoniado da mente, querendo plantar algo que não seja

dor e tristeza naquele lugar.

 

... Nesta hora um vento tocou meus cabelos

Assustei-me.

Deixem-me apressar o passo.

Deixe em quietude o velho casario onde está, com suas paredes de sofrimento.

Ela lá sempre esteve.

Ela lá sempre estará.

 

 

 

Elisa Salles
Enviado por Elisa Salles em 13/03/2022
Código do texto: T7471835
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.