A pizza de carpaccio
Eram 9 da noite e o telefone da pizzaria tocou. Após identificar-se, a atendente ouviu com atenção durante alguns instantes.
- Não estamos entregando nessa área da cidade, senhor - disse finalmente em tom firme, mas polido, continuando a ouvir.
Eu, que estava de plantão junto à minha moto, no lado de fora da loja, acenei.
- Ei! Pode me passar o pedido, o movimento está fraco!
A atendente me olhou com ar de cansaço e tapou o bocal do telefone.
- É o cara da pizza de carpaccio. Você não vai querer ir.
- Não vou discutir o gosto do cliente. É longe?
- Perto do cemitério - informou a atendente.
Isso era do outro lado da cidade, mas dependendo da gorjeta...
- Ele paga 50 pratas pela entrega - afirmou ela. - O problema é que os entregadores não voltam, depois de irem pra lá.
Ergui os sobrolhos.
- Ninguém voltou?
- Ninguém - assegurou a atendente. - Devem ter ido trabalhar para a concorrência...
Mas a gorjeta era boa, ponderei.
- Vou arriscar. Mas preciso pegar algo na cozinha...
Vinte minutos depois, saí da pizzaria para fazer a entrega. Após atravessar a cidade, finalmente cheguei ao endereço, uma quadra distante do cemitério: um velho casarão com aparência abandonada.
- Pizzaria! - Gritei no portão.
- Pode entrar, meu rapaz - disse uma voz lá de dentro. - A porta está aberta.
Entrei, carregando a caixa da pizza. O cliente era velho e magro, com olheiras escuras. Parecia doente.
- O carpaccio está sangrando, como pedi? - Indagou ele, lambendo os lábios finos e descorados.
- Com certeza. São 40 da pizza e mais 50 da entrega.
- Ah, claro - respondeu, me estendendo uma nota de 100. - Fique com o troco.
- Muito obrigado - redargui, tirando um tubo de plástico do bolso da jaqueta. - E eu trouxe aqui um tempero especial, que aposto que o senhor vai adorar.
- O que é isso? - Indagou ele, testa franzida.
- Alho queimado.
O velho deu dois passos para trás, mãos na frente do rosto.
- Afaste isso de mim! Sou alérgico a alho!
Abaixei-me e coloquei o tubo aberto diante dele.
- Olha, vou deixar aqui, caso mude de ideia! - E tratei de sair da casa o mais rápido possível.
Já de volta à pizzaria, avisei à atendente que era melhor suspender qualquer entrega para o endereço suspeito.
- Só por precaução - alertei. - Nunca se sabe se ele vai ficar curado da alergia...
- [29-10-2021]