O jovem desatento foi arremessado para fora do carro, já que não usava o cinto de segurança. Bateu a cabeça nas pedras e sangrou até a morte. Carmem ficou presa entre as ferragens, mas era os estilhaços de vidro cravados no coração que estavam roubando sua vida. A pobre moça perdia os sentidos. Não conseguia dizer absolutamente nada e para o seu desespero, não conseguia se mover, somente as lágrimas moviam-se pelo corpo ensanguentado. Carmem fechou os olhos, pensava na família, nos amigos, nas pessoas que mais amava. Em prantos, recordava dos carinhos de sua mãe, da benção que pediu para a avó antes de sair.
 
- Não precisava ser assim, tão dramático! Enfatizou Hatsuo se aproximando vagarosamente da moça. Com as mãos nos bolsos e um cigarro no canto da boca, observava o céu estupidamente estrelado com um certo sorriso de contemplação.
 
- A noite está tão graciosa, não vejo nenhuma nuvem agourenta no céu, consegue ver? Ohhh, mil perdões, creio que não possa ver, está prestes a se afogar no próprio sangue. Eu lamento muito! Quanta deselegância da minha parte!
- O céu já foi mais azul, estávamos mais próximos do cosmos, você sabia? Mas a humanidade evoluiu na ganância da própria vaidade, por isso não prezo nenhum carisma pela vossa espécie. Agora, chega de pronunciamentos baratos sobre a vida, a natureza humana, no fim, tudo isso não vale grande coisa, acredite.
 
Hatsuo apanhou o corpo da moça como um pedaço de pano ensanguentado, ela emanava os últimos suspiros de vida. O jovem vestido de preto selou seus lábios finos e cheirando a cigarro, encerrou a agonia de Carmem, dando-lhe uma leve mordida em seu pescoço quase desfalecido. Houve ali o último sopro de vida divina, era a morte da menina e junto às folhas e cascalhos da rua estreita e pouco iluminada, escurecia para sempre o reluzir daquele olhar manso. Morte e nascimento, luz e trevas. Foi ali na rua sem nome o despertar da criatura faminta e impaciente, era Carmem vestida de vermelho, renascia para sua nova vida, agora geniosa e imortal.
 
Hatsuo acompanhava a lentidão das pálpebras de Carmem, a agonia empalidecida e finalmente o grande despertar.  - Eu te saúdo menina, será um prazer te apresentar as maravilhas da noite. Ela olhava indecisa para o próprio sangue, observava cada detalhe do local onde estava.

- O que houve aqui?
- Carmem, você sofreu um terrível acidente, seu namorado não resistiu aos ferimentos e infelizmente faleceu. Eu sinto muito!
- Adriano está morto? Por um momento, frações de segundos, para ser exata, uma lágrima ensaiava cair, mas não desabou. Carmem sentiu profundamente a morte de Adriano, mas sua austeridade não permitia que chorasse por ele. Subitamente levantou-se, ajeitou os cabelos e deu o primeiro passo longe de Hatsuo.
 
- Para onde pensa que vai?
- Como assim? Para onde? Para minha casa, que pergunta estúpida.
- Moça tola, vai para sua casa?! Vestida assim, toda arrebentada?! Posso imaginar a cena o quão hilária seria – “Olá mamãe, não se preocupe, estou bem, sofri um rápido incidente. Adriano está morto, mas eu estou bem, o que preparou para o jantar?”
 
E gargalhou até soluçar.
 
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- Tudo pra você não passa de uma piada! O que leva a sério?
- A sério? Humm, tenho que pensar um pouco, posso responder uma outra hora? Precisa aprender, menina tola, acha mesmo que deve levar tudo a sério? Não enxerga a sua volta, as pessoas, o sistema político, a economia nacional, o Mundo. Também não precisa responder agora, não esquenta a cabeça com isso, temos muito tempo para pensar. Mais gargalhadas infindas.
 
- Já não suporto mais ouvir você rir. Esquivou-se, dando as costas para Hatsuo.
- Ainda é cedo, não completamos nem uma hora juntos. Precisa ser mais cautelosa com as palavras. Dessa maneira vou me zangar e a senhorita irá se arrepender e lamentar minha ausência.
- Está me ameaçando?
- Carmem, não irá questionar quando realmente você for ameaçada pela minha nobre pessoa. Entenda, sou seu amigo.
- Agradeço sua amizade, mas dispenso-a. Tenho que ir para casa, buscar ajuda, preciso fazer algo.
Hatsuo virou-se e partiu sem dizer mais nada. Carmem olhava para o jovem vestido de preto distanciando e gritou: - Não vai me ajudar? Hatsuo sem se virar gritou de volta cautelosamente: - Na certa saberá o que fazer!

Continua...
 
Claíse Albuquerque
Enviado por Claíse Albuquerque em 25/08/2021
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