Capítulo I - Hatsuo
Parecia uma fotografia de Robert Doisneau, as frondosas árvores da Avenida Afonso Pena, suntuosamente iluminadas até a altura do Parque das Nações da amada Campo Grande. A luz púrpura pintava as ruas como um filtro dourado, pintava as pessoas, os restaurantes, praças, todos pintados da cor dourada. Na 14 de Julho, na altura da Feira Central, o cheiro dos saborosos sobás e pastéis fresquinhos desafiavam a fome dos motoristas e pedestres, e o fluxo insano de carros e buzinadas confundiam-se com as vozes afinadas e refrãos boêmios das casas de dança da rua 14 de Julho.



O sábado à noite tem seu charme particular, depois das oito horas, todos os casais, apaixonados ou não, povoavam as calçadas dos bares e as largas ruas vão ganhando o aroma afrodisíaco dos caldos, hambúrgueres e outras comilanças oportunas do sábado à noite. E entre os casais apaixonados ou não, estava Carmem, levemente maquiada, folheando o menu da sobaria tipicamente oriental, enquanto Adriano, seu namorado verificava as notificações infindáveis do seu WhatsApp. Ela decidida, já havia escolhido o que iria pedir e levantou-se.
- Vou ao banheiro, já volto! Pegou a bolsa e saiu.

Ao lavar as mãos, incomodou-se com o cheiro de cigarro, logo percebeu que em uma das portas havia uma nuvem de fumaça. A moça continuou lavando as mãos, agora um tanto nervosa e inquieta.

- Não gosta do cheiro de cigarro? Perguntou um homem escancarando a porta com a ponta do pé. Ela completamente assustada e muito furiosa, pegou a bolsa, lançou em direção ao homem.
- O senhor deveria se envergonhar, safado! Vá fumar no banheiro da sua mãe, imbecil! E dá-lhe bolsadas e pontapés, certeiras.

A sobaria estava lotada, parecia um verdadeiro formigueiro, o entra e sai das garçonetes, completavam as entradas do estabelecimento, mas nenhuma outra mulher precisou usar o bendito banheiro naquele momento. O homem gargalhava esquivando-se dos arremessos violentos e tapas da jovem. - Acalme-se mulher, por favor! Ofegante, ela sentou no chão. O homem estendeu a mão, ofereceu ajuda. Ela notou a beleza nipônica do jovem solicito vestido de preto, "Até que ele é bonitinho", pensou rapidamente, mas a fúria tomou conta novamente de seus pensamentos. Carmem bufava.

- Sou Hatsuo, peço perdão por assustá-la. Estou mor-tal-men-te arrependido por ser o motivo de sua agonia. Inerte, olhava fixamente para o rapaz falante. Encantada por aqueles olhos miúdos, todo o ambiente perdia o seu som, uma espécie de quietude se aproximava como a paz serena de um passeio agradável em campos floridos, sem o farfalhar dos pássaros e dos pequenos insetos. Não pensava em nada, inclinou a cabeça, ­sutilmente sorrindo, voltou a realidade do banheiro vazio com a voz alta do rapaz vestido de preto, agora gritando repetidamente, - “Moça, moça? Carmem ficou de pé, arrumou os cabelos e voltou para a mesa buscando agir normalmente, o que era praticamente impossível. Ela pretendia compartilhar o incidente com Adriano, chegou a decidir falar antes de sentar, mas mudou de ideia ao notar que a atenção do rapaz pertencia somente ao importuno do celular.

Após o silencioso jantar, o casal resolveu dar uma volta pela região central em busca de alguma sorveteria que não estivesse entulhada. No sinal da Rui Barbosa com a Afonso Pena, a moça viu Hatsuo encostado na parede da Farmácia, o rapaz vestido de preto fumava seu cigarro e observava os carros. – Deve ser garoto de prog..., chegou a sussurrar, mas foi interrompida por Adriano.

- Carmem? Tô falando com você!
- Desculpe, mas sobre o que você estava falando mesmo?
- Brincadeira, você não está me dando atenção! O que está acontecendo?
- Atenção? Olha só quem fala, o rei da atenção! Você não larga o celular nem para ir ao banheiro. Após a afirmativa de Carmem, uma atmosfera silenciosa e inquisidora tomava conta da fatídica viagem. Voltaram para casa introspectivos, ela decidiu admirar a paisagem já conhecida. O silêncio reinou até a entrada do bairro Santa Luzia, onde a moça morava com os pais. Adriano, a fim de deixar a namorada o mais rápido possível escolheu um atalho. Pisou no acelerador afim de irritar a menina e em uma curva, perdeu o controle, no meio da rua estreita, deparou-se com um homem parado, era Hatsuo impedindo a passagem, mas a figura havia desaparecido em um piscar de olhos. Adriano não teve tempo de frear, capotou o carro três vezes antes de colidir contra um muro.

Continua...
Claíse Albuquerque
Enviado por Claíse Albuquerque em 24/08/2021
Reeditado em 24/08/2021
Código do texto: T7327334
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