Manjar turco
Com a recém-chegada sentada à sua frente, Williamina sentiu-se embaraçada em pegar mais uma barra de chocolate para comer. Primeiro porque não levara tantas quanto poderia precisar em sua permanência incerta naquele lugar, e segundo que, pelas regras da boa educação, teria que oferecer o que quer que estivesse comendo à recém-chegada. Contudo, esperava que a outra garota não pretendesse demorar, recusasse a oferta por polidez, ou simplesmente estivesse sem fome ou de dieta.
- Laranja? - Decidiu-se finalmente a interpelá-la.
A garota ergueu os olhos da leitura para ela, uma expressão que lembrava vagamente a de um gato que acabara de ter sua sesta interrompida.
- Sim, Azul? - Redarguiu polidamente.
- Eu trouxe chocolate... acho que podemos comer nesse canto escondido. Você quer? - Indagou, tentando parecer simpática.
- Quanto tempo você pretende ficar aqui? - Indagou Laranja, encarando-a com a atenção de um gato espreitando um passarinho numa gaiola.
- Bem... eu não sei - admitiu Williamina, sentindo-se ligeiramente incomodada com o olhar fixo da outra. - Até ler e reler tudo umas três vezes, talvez.
- Há uma energia espiritual aqui que ajuda você a reter o conhecimento - declarou Laranja, relaxando ligeiramente e olhando para o teto da sala.
- Sim, eu senti isso... mas o chocolate, você quer? - Insistiu Williamina.
Laranja estreitou os olhos.
- Eu trouxe algo melhor do que chocolate - afirmou, virando-se para pegar a mochila presa nas costas da cadeira.
Williamina olhou para o anel de humor e ele estava cinza-escuro; não podia negar que estava começando a ficar com medo da companheira de estudos. Mas Laranja apenas colocou a mochila sobre a mesa e dali retirou uma caixinha de papelão.
- Abra - mais ordenou do que sugeriu, os braços apoiados sobre a mesa.
Williamina resolveu não contestar, e ergueu a tampa da caixinha. Dentro, havia quatro cubos de manjar turco, coloridos em tons pastéis e cobertos de açúcar de confeiteiro, exalando um delicado perfume de rosas. Com os dedos em pinça, Laranja pegou um dos pedaços da iguaria e começou a mordiscá-la sem tirar os olhos de Williamina, que imediatamente sentiu a boca encher-se de água.
- É um manjar dos deuses - sussurrou Laranja, sem parar de comer.
- Manjar dos deuses - repetiu Williamina. E, com determinação, puxou uma das barras de chocolate que trouxera e deu-lhe uma dentada firme.
* * *
- Como foi lá? - Indagou Margeret ao encontrar Williamina na cantina do campus, na manhã seguinte.
- Puxado, mas valeu a pena - afirmou Williamina, colocando a bandeja com o desjejum sobre uma mesa com poucos estudantes.
- E você viu... alguma coisa diferente? - Provocou-a Margeret, sentando-se em frente dela.
Williamina deu de ombros.
- O que se vê na biblioteca, fica na biblioteca - garantiu.
- Lição aprendida - aprovou Margeret, sorrindo.
Williamina estava abrindo a caixinha de leite quando uma voz feminina soou ao seu lado:
- Este lugar está ocupado?
Ergueu os olhos e ali estava Laranja, vestida de modo mais convencional para uma manhã fria de outono. E na bandeja que segurava, não havia sinal de manjar turco.
- Pode sentar, não tem ninguém - redarguiu, sem dar a entender que a conhecia.
Laranja sentou-se ao lado dela, e Margeret a encarou com curiosidade. Num momento em que a recém-chegada baixara a cabeça sobre sua tigela de cereal, Margeret retirou o anel de humor que Williamina lhe devolvera, e olhou brevemente para Laranja através dele.
Por um átimo, seu rosto crispou-se.
[03-08-2021]