Ponto cego

Havia muita gente no salão de leitura, mas não lhe deram atenção. A primeira sala de referência estava praticamente vazia, e a segunda, deserta. Williamina reduziu a velocidade das passadas, à medida em que se aproximava da estante onde estaria o livro que supostamente viera procurar; na verdade, não estava ali por causa dele, mas apenas para saber a localização precisa do "canto escuro".

O local ficava exatamente numa quina da sala, sem janelas próximas e com uma mesa redonda cercada por quatro cadeiras estofadas, entre as paredes e as estantes mais próximas; atrás da mesa, no alto da parede, um relógio analógico de mostrador redondo, que parecia haver parado às 9:02 h, não se sabia se do dia ou da noite. Abaixo do relógio, um bebedouro elétrico de coluna, e ao lado deste, uma lixeira telada, vazia.

A jovem olhou ao redor. O "canto escuro" poderia ser melhor definido como "ponto cego", já que era perfeitamente iluminado, mas ficava numa posição onde a câmera de vigilância da sala não alcançava. Perfeito! Colocou os cadernos e lápis sobre a mesa e sentou-se numa das cadeiras de frente para as estantes; imaginou que, caso alguém entrasse no recinto, poderia ao menos não ser pega de surpresa. Não que pretendesse fazer algo ilegal, mas a fama do local a deixara apreensiva; melhor tomar precauções.

Finalmente, sentou-se muito circunspecta e abriu o primeiro caderno, páginas cobertas de anotações feitas com letra meticulosa. Respirou fundo. Aquilo tinha que dar certo, pensou.

* * *

Williamina ergueu-se da mesa e deu algumas voltas em torno da mesma, para estimular a circulação das pernas. Não tinha ideia de quanto tempo estava ali, mas já vencera o primeiro caderno de anotações. De tempos em tempos, levantava-se, caminhava um pouco, e bebia água no bebedouro. Fora o ruído dos próprios passos sobre o piso de cerâmica e o zumbido ocasional do compressor do bebedouro, parecia que estava existindo num vácuo. Bibliotecas são lugares silenciosos, mas a biblioteca central parecia ter isolamento acústico.

Parou, ao dar uma das voltas, e olhou para o relógio. Franziu a testa. O ponteiro dos segundos parecia ter se movido ligeiramente desde a última vez em que olhara para ele, mas a hora ainda era 9:02. Sentou-se novamente, e mordeu a ponta do lápis amarelo que havia acabado de pegar. Fome. A água ajudava a disfarçar, mas estava na hora de colocar algo sólido no estômago.

- É proibido comer na biblioteca e blá-blá-blá, - advertira a amiga, Margeret - mas tecnicamente isso não inclui os "cantos escuros", já que não são monitorados pelas câmeras de vigilância; portanto, se você levar alguma coisa que caiba nos seus bolsos, é bem possível que consiga fazer um lanche sem ser perturbada.

Williamina levara barras de chocolate amargo nos bolsos do casaco. Comeu a primeira, vagarosamente, para durar mais. Depois, voltou a concentrar-se na leitura.

- Não é somente uma questão do tempo que você ganha, - comentara Margeret - mas da qualidade dele. Há alguma coisa nos "cantos escuros" que ajuda a fixar o que você lê, basta se concentrar e deixar a informação fluir.

Ela estava deixando. Começava a sentir que sua mente era como uma esponja que absorvia conhecimento. Iria arrasar nas provas finais, quase podia garantir.

* * *

Não houve qualquer som, apenas um perfume que subitamente inundou as narinas de Williamina como se fosse inebriá-la. Ela ergueu a cabeça, e do outro lado da mesa estava outra garota, esbelta, blusa de alcinhas e bermuda curta, apesar da noite fria. Apertava um caderno contra o peito, e nas costas, trazia uma pequena mochila. A recém-chegada sorriu, dentes pequenos como pérolas.

- Boa noite... desculpe, não queria assustá-la.

- Não me assustou - murmurou Williamina aturdida. - Mas você não fez barulho nenhum, não sei como não levei um susto.

- O perfume - replicou a outra garota. - Serve como um alerta.

E erguendo um dos pés:

- Estou com rasteirinhas de sola de borracha!

- Definitivamente, não fazem barulho - aprovou Williamina.

- Posso me sentar com você? Prometo que não vou atrapalhar!

Williamina balançou a cabeça afirmativamente. O que poderia dizer? Não era a dona do lugar.

- Tudo bem. Também está enrolada com os exames finais?

- Sim...

A garota colocou o caderno sobre a mesa e a mochila nas costas da cadeira, antes de sentar-se e indagar de modo incisivo:

- Como você se chama?

Williamina tomou fôlego.

- Pode me chamar de Azul.

A garota sorriu:

- Se você é Azul, eu sou Laranja.

E abriu o caderno, parecendo ter dado a conversa por encerrada, para alívio de Williamina.

[Continua]

- [02-08-2021]