Eu Cadáver

Nuvens densas no céu nublado anunciam o temporal que está por vir. As estrelas não conseguiram iluminar a noite, foram forçadas pelas nuvens a se esconderem. Um frio tenebroso se apoderou do meu corpo e conforme o vento soprava, mais frio senti. No pequeno cômodo esquecido, a poeira imperceptível penetrou meu olhar e nublou também meu coração. Haveria dias ensolarados por vir? Poderia as estrelas fugazes de minha torpe vida iluminar os poucos momentos que me restavam?

Na noite fria e sentindo a ventania, fui obrigada a fechar as janelas que me conectava à nebulosa chuva vindoura e ao mundo exterior. No interior do casebre, eu estava sozinha, só na minha imensidão. Pensei nas nuvens do céu noturno, calmo e sereno. Mas a serenidade de outrora já não existe. Assim como o meu eu, o céu é um lugar esquisito, triste e infinitamente solitário.

Sou uma mulher moribunda, presa em um passado esquecido e perdida nas duras e doces lembranças de uma vida memorável e triste. Esbelta, leve, uma esmeralda fui um dia. A mulher de paixões intensas foi aos poucos se perdendo no tempo e no espaço. Hoje me vejo sem nada: beleza, riqueza... nada. Nem mesmo a felicidade quis minha companheira ser. Meu rosto cadavérico e sofrido, apresenta marcas de uma doença sem cura, a doença amargura, a doença solidão que afeta a mente e mais ainda o coração.

Antes meus olhos refletiam brilho, hoje, porém, lampejam o sofrimento. Minha doença impossibilitou-me de viver. Prendeu-me na cela que é a minha pele e enclausurou-me no meu próprio corpo. Minha mente que ainda tinha forças, vagou buscando felicidade, tentou até mesmo criar uma ilusão, de tanto tentar suas forças estão morrendo e o meu eu cadavérico se entregou a sua sorte. As lágrimas correram calmamente em meu rosto, lá fora, o céu chorava e o vento uivava gemendo de aflição.

Mas aos poucos, tudo foi se acalmando: o ruído da chuva parou e as lágrimas lá fora cessaram. Senti que as estrelas poderiam brilhar, e lá fora, alguém poderia sob a luz da lua admirar a beleza de estar vivo. Eu, infelizmente, não podia mais.

Daniele Pereira
Enviado por Daniele Pereira em 01/06/2021
Reeditado em 29/05/2022
Código do texto: T7269280
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