Despedida

Ajudei a levar para o sótão as coisas de Rose que não iríamos doar ou jogar fora. E lá, elas se juntaram aos pertences descartados de outras gerações da família, reunidos pela última vez naquele lugar de escuridão e silêncio, como se fosse um túmulo suspenso sobre a casa.

- Deveríamos vir aqui um dia e começar a desocupar espaço - opinei. - Vai ver que há tesouros escondidos dentro dessas caixas e malas empoeiradas.

- Qual! - Exclamou minha tia. - Se havia algum tesouro, foi devidamente gasto antes de subir para cá. Rose, certamente, não tinha nenhum.

Eu bem o sabia. Rose chegara até nós pobre, e da mesma forma partira. Talvez seu maior bem houvesse sido a velha roca de fiar, que decidimos acondicionar até termos uma ideia do que fazer com ela. Minha tia não sabia usá-la.

- As pessoas não usam mais rocas hoje em dia. Compram roupa pronta - declarou tia Agnes. - Leve lá para cima, por ora.

- Rose tinha prazer em fiar nessa roca - recordei.

- Talvez fosse mais como uma forma de passar o tempo - replicou minha tia. - Não era nenhum sacrifício para ela, até porque praticamente não usávamos mais tecidos produzidos dessa maneira.

A última coisa que Rose havia feito antes de ficar doente, havia sido justamente uma bela toalha de mesa que usávamos apenas em ocasiões especiais.

- O presente de despedida de Rose - comentava minha tia, ao pôr a mesa.

Ela se preocupava conosco, embora nem fosse nossa parente, e nós cuidávamos dela. No fim, seus poucos pertences repousavam na escuridão em meio aos da família que a acolhera.

- Será que Rose não vai sentir falta da roca? - Indaguei, antes de fechar a porta do sótão e seguir minha tia escada abaixo.

- A missão da roca terminou, e Rose deve ter partido satisfeita - determinou tia Agnes.

Mas, nos anos a seguir, quando a noite estava particularmente silenciosa, às vezes eu tinha a impressão de ouvir um ruído distante, no sótão.

- Ratos - diria minha tia.

Ou talvez fosse Rose vindo matar as saudades da velha companheira.

- [19-07-2020]