A RAINHA DO NADA
Ela estava balançando os pés descalços, sentada em uma pedra na beira da praia. Olhava fixamente um horizonte inexistente. As roupas que a vestiam naquela manhã estavam inadequadas para o frio que fazia. Havia passado a noite ali. Duas garrafas vazias de bebida alcoólica estavam abandonadas na areia.
Tremia. Sentia o vento gelado perfurar todo o corpo. Agora ela fitava uma coloração amarelada distante. Em algum lugar o sol estava visível e escaldante. Seria a última vez que iria torturar-se, mas agora deixaria nas mãos da natureza que tanto apreciava. Iria ficar ali o quanto fosse preciso. Queria ver o corpo diluir-se e ser levado aos poucos pelo vento.
Desejava fazer parte daquele imenso azul, cor que sempre gostara. Só não sabia nadar e não pretendia aprender. Os olhos estavam perdidos em algum mundo que neles existia. Talvez estivessem em todos ao mesmo tempo, criando então um novo mundo infinito e atemporal.
Pensava que o sentimento que nela habitava naquele momento era o preço a se pagar pela passagem (sem volta) para um lugar jamais explorado, somente destinado à ela. Ainda achava-se significante demais. Acreditava haver um mundo onde fosse a rainha, mesmo sem súditos. Seria a rainha do nada. Do vácuo. Ordenaria mesmo sem o som se propagar.