A morte do homem que nunca viveu
A morte é subjetiva, e eu estou aqui como um belo exemplo, enquanto respiro e me alimento, negocio minha força para trabalhos corporais com remuneração baixa, eu de fato penso estar morto, me sinto enterrado, deformado e apodrecendo ao passar dos dias, a morte pode acontecer sem sangrar, sem um violento acidente ou a inevitável velhice, a morte pode deteriorar seu interior, como se fosse um desagradável fungo, te preenchendo com uma terrível sensação de não existência, mesmo que seu corpo seja saudável, a carne não resiste sem uma alma.
O pior é que eu sou vaidoso, gosto de me arrumar e estar com um adorável aroma, mas sinto esse cheiro repugnante de putrefação, e isso me enoja, as vezes chego a vomitar com tal asquerosidade, mas eu não tenho vermes me devorando e caminhando pela minha pele fria, eu estou aqui, deitado, quieto e coberto, mas não sinto nada, esse momentâneo prazer do aconchego, não me da esperanças mais; Uma cama quente, uma bela comida, um estrondoso café da manhã, nada me faz palpitar, como eu disse, a morte é pessoal.
Me pesa a alma acordar todos os dias, me encarar no espelho, me vestir, subir a decadente e ingrime rua que eu moro, olhar os mesmos rostos já deformados pelo tempo, escutar os mesmos comentários, e perceber que tudo tem doído ultimamente, é como se sete palmos de terra encharcados pela mais forte chuva me sufocasse, é como se meus olhos queimassem enquanto são esmagados, é como se minha boca fosse tomada por terra, mato e dejetos de todos os tipos, mas eu não apago, eu me alimento dessa podridão, é um diferencial sobreviver assim, mas eu sinto, e por sentir a dor contínua, eu ainda estou aqui, nesse maldito buraco.
Dizem que o homem que sente dor ainda está vivo, que a dor é a certeza da vivência terrena, mas eu discordo, eu já nem vejo cores, não sinto odores agradáveis, é estranho imaginar que aquela bela manhã de verão não passa de uma fração cinzenta e sem graça do meu tedioso dia, aonde foi aquele brilho dourado que se deitava com as folhas mais altas das árvores no fim de tarde? Aonde foi a alegria dos pássaros? Eu descobri, está tudo lá, a terra ainda eleva o cheiro da relva com o primeiro toque do sol no descampado, os pássaros ainda brincam de lá para cá, as pessoas ainda sorriem e conversam coisas novas, e mudam suas atitudes, a verdade sobre tudo isso, é que por algum motivo, algum ínfimo remexer mudou tudo que eu podia ver, retirou meu coração e guardou nas profundezas do meu oceano, o meu fervor, não está mais ali, o problema sou eu!
Eu estou enterrado em algum lugar do tempo, por sete enormes palmos de tristeza, é bem pesado, intenso, como se cada escolha minha fosse mais uma pá desse inferno sobre mim, para que eu não levante, não sinta e não veja nada, já que a morte não é apenas o desencarnar, pode-se estar morto enquanto vive, e assim vem a falta do querer, de amar, de ser amado, de sentir empatia, de enxergar que tudo está ali, só você mudou, e nesse terrível momento, eu posso afirmar a vocês, este homem que lhes escreve, morreu a tempos, mas não se lembra em que ponto da linha ela arrebentou, não existe um nó que possa ser dado para ajuda-lo, não existe retorno, apenas o fim.