Rebeca...
Rebeca acendeu um cigarro, pegou um drinque e se encostou no balcão... Estava cansada, tinha trabalhado muito.
O salão estava à meia-luz. Chica torta passava a estopa e subia as cadeiras...
Rebeca sentia o gosto do Martini Rosé, entre uma baforada e outra.
Lembrou-se de sua mãe tão querida: Dona Ritinha... Lhe zelava tanto, fazia questão de vesti-la de anjo nos terços do mês de maio, e levá-la para as novenas nas casas das vizinhas.
Quando ia sair, sempre dizia:
- Goretinha, cadê a bença?
- Sim, era esse o seu nome: Maria Goretti.
E a mãe sempre mostrava a imagem dessa santa na igreja e dizia:
- Ela foi mártir da pureza, morreu pra defender sua honra!
E Rebeca tomou um gole profundo, descendo duas grossas lágrimas de seus olhos...pensou:
- Olha mamãe, qual é a minha honra!
E questionou Deus, o porquê de a mãe ter morrido, ela ter sido maltratada por uma madrasta perversa, espancada pelo pai alcoólatra e terminado ali, mas pensava:
- Vim, mas essa é a minha honra, como do meu trabalho, mas ninguém me humilha! Não nasci para viver sugigada por uma nojenta daquela, nem pra apanhar feito bicho bruto!
Chica pediu para ela sair da mesa, precisava passar a estopa. Ela disse meio mundo de putarias com a pobre diaba, e ao sair, falou:
- Passe aquele meu vestido encarnado, que eu lhe dou uma carteira de minister para você fumar.
- E tem função amanhã, Rebeca?
- Claro que tem, vêm uns deputados e preciso estar na beca!
Subiu, estava bêbada, precisava de um banho gelado. No quarto, seu gato preto a esperava, ela o amava e conversavam horrores. Chamava-se Bruxo, e sempre entendia sua dona, se alisando entre suas pernas ou ronronando eu seu colo.
- Serà que um dia eu vou poder voltar a ser Goretti? Jà pensou? Dona Maria Goretti, esposa e mãe!
Sonhava com isso, mas o sonho desvanecia, pois um jovem jurou amà-la e tirà-la dali e... Nunca mais voltou!
- Rubens, serà que você morreu?
E Bruxo miou alto e se aperreou, como a respondê-la.
Rebeca ia olhando para as estrelas e pensando alto:
- Fui anjo de Nossa Senhora... Hoje até duvido da fé! Porque uns nascem ricos, com saúde, família equilibrada, estudo, juízo...e outros nascem completamente fodidos? Porque tanta desigualdade?
E acendia outro cigarro, e baloiçava-se em sua cadeira de cabeceira.
- Vou seguindo como Rebeca mesmo, penso que Goretinha, a que se vestia de anjo, voou sem nada entender, foi pro seu mundo mágico e cor de rosa. Restou eu e Bruxo... É nóssss!!!
E adormeceu na cadeira, enquanto da janela do primeiro andar, Rubens a contemplava, etéreo, nimbado pela luz da lua!
Thomas Saldanha, Natal, 21/03/2020