A velha costureira
A velha Malvina vivia no final da cidade, numa casa isolada, depois da curva do Riacho das almas, perto do Sítio Mufumbo Preto.
Ganhava a vida costurando em sua velha e ruidosa màquina, que ficava defronte da janela central.
Costurava cantando músicas de sua juventude...
- " Dorinha meu amor, porque me fazes chorar..."
Quem passava na curva do rio escutava o barulho da máquina e as cantigas de Dona Malvina. As pessoas a achavam meio esquisita. Era viúva, criava um gato preto e um papagaio, não tinha filhos e vivia sozinha. Gostava muito de café, cujo cheiro se espalhava mata a dentro... Fumava um cachimbo bonito, que disse ter ganho de uma freguesa rica. Perto de sua casa, sempre havia cheiro de café e da fumaça do cachimbo, cujo fumo ela preparava com ervas que cultivava. Dizia ter aprendido com o avô, que era índio.
Ia pouco à rua, só para a feira, nas segundas, e também para as missas, vez por outra. Usava roupas de cor escura, cabelos muito lisos, amarrados para tràs e uma bolsa de mão. Todas as vezes que saía, o gato a acompanhava até o cruzeiro, e aparecia quando ela voltava, para irem para casa.
Malvina se trancava cedo da noite, com seus bichos, para escutar as serestas que passavam no velho rádio de madeira. Gostava de dizer que, tarde da noite, pegava uma famosa ràdio da Bahia.
Na curva do rio, altas horas, se ouvia ao longe o som do rádio da velha costureira solitária.
Ela tinha uma única irmã, que nunca ia là, porque dizia que não tinha tempo, mas na verdade não fazia nada...
Se não recebia visitas, também não ia à casa de ninguém, e dizia:
- " Boa freguesia faz quem em sua casa está em paz!"
Cultivava lindas roseiras num pequeno jardim... Enquanto aguava suas plantas, o gato se entrelaçava em suas pernas e o papagaio gritava:
- " Louro quer café, louro quer café!".
Um dia, acharam Malvina morta, debruçada sobre a máquina de costura, e o gato ao lado, olhando pra ela. Não acharam o papagaio... Por certo tinha fugido para o mato.
Muita gente tem medo de passar na curva do Riacho das almas, porque dizem os mais sensíveis, que escutam, de dia, o barulho da máquina de costura e a finada entoando suas cantigas.
Seu Olegário da Farmácia afirma que, umas poucas de vezes, sentiu o cheiro do café e da fumaça do cachimbo, quando passava por là, a cavalo, fora de hora.
Os caçadores, quando estão em seu ofício noturno, narram ouvir ao longe o som de um rádio tocando serestas madrugada a dentro.
As lavadeiras que passam pelo Cruzeiro , sempre vêem um gato preto, que solta longos miados e desaparece...
Dona Cleonice, zeladora da capela, vinha de méi dia em ponto na frente da casa, e escutou o papagaio pedindo café. Disse que os cabelos da cabeça ficaram arrepiados e ela fez carreira pra casa mais próxima, que era o barracão de Geralda ( uma casa de recurso) mas o jeito que teve foi pedir um gole dàgua às "meninas", que lhe acudiram muito bem e disseram, em uníssono, que também viam marmotas de toda qualidade por là.
Bem, eu, toda vez que ando perto do Mufumbo Preto, colho uma rosa das belas roseiras da finada Malvina, pra dar a Mãe, porque mesmo abandonadas, elas nunca murcharam nem deixaram de florescer em belas cachadas. Não tenho medo de rosas, mas tenho cuidado com os espinhos.
Nunca me esqueci da costureira Malvina, foi ela que fez a mortalha de vó!