A Mulher Perdida
Eram duas da manhã e eu dirigia pelo deserto, a caminho de Santa Fé, onde esperava dormir algumas horas antes de fechar o negócio imobiliário que me levara àquela parte do Novo México. Havia acabado de passar Tecolote, e a estrada estava vazia, as montanhas Sangre de Cristo à minha direita, imponentes sob a luz da lua cheia. Para me manter acordado e espantar a solidão, havia colocado Johnny Cash no MP3 do meu Hyundai Tucson, e estava cantando "Further On Up The Road" quando, ao dobrar uma curva na Interestadual 25, eu a vi, de pé à margem esquerda da estrada. Reduzi a velocidade e encostei pouco depois dela; sei reconhecer uma dama em apuros quando vejo uma, e ali estava uma. Abaixei o volume, e pus a cabeça para fora do carro.
- Você precisa de uma carona? Está meio tarde para chamar um Uber...
Só depois de tudo acontecer, me dei conta de como era estranho uma mulher jovem e bonita estar parada no meio do deserto, de madrugada, ainda mais com um vestido de baile de cetim vermelho. Mas, como eu disse antes, sou um cavalheiro; e a garota não parecia uma ladra ou assassina serial.
- Por favor... eu moro um pouco antes de Pecos.
Pecos me obrigaria a fazer um desvio indesejado de rota, mas afinal, eu é quem parara para oferecer ajuda.
- É menos de uma milha depois que você sair da interestadual - garantiu ela, aproximando-se de mim, como se houvesse lido meus pensamentos.
De perto, era ainda mais bonita. Loura, alta, pele perfeita. Scarpins de salto alto combinando com o vestido e o esmalte das unhas. Dir-se-ia uma miragem.
- Bem, vamos lá. Dê a volta...
- Fico-lhe grata! - Sorriu ela.
Inclinei-me para abrir a porta do carona e instantes depois ela instalou-se ao meu lado, de forma graciosa. Tinha um perfume exótico, como se fosse o de uma flor do deserto.
- Não vai colocar o cinto de segurança? - Indaguei.
- Cinto?
Apontei para o dispositivo e indiquei como o meu estava colocado. Ela sorriu e o atou de forma desajeitada; precisei ajudá-la a fechar a trava.
- Nunca tinha andado num Tucson? - Indaguei, dando a partida.
- Não conheço muito de carros - desculpou-se ela.
No MP3, Cash começou a cantar "If You Could Read My Mind".
- Ah, adoro essa música - declarou ela embevecida.
- Meu pai também gostava - declarei. - Como você se chama?
- Esther.
- Prazer, Esther. Eu sou Dylan - respondi, as duas mãos no volante. - E agora poderia me dizer o que estava fazendo à essa hora, no acostamento da Interestadual?
- Uma situação embaraçosa... - redarguiu Esther muito circunspecta, mãos no colo. - Briguei com meu namorado... ele me abandonou no meio da estrada e foi embora.
- Desculpe dizer isso, mas que canalha! - Exclamei indignado. - Isso não se faz com ninguém, principalmente com uma mulher, no meio da noite, no deserto. Você poderia ter morrido!
- É verdade - reconheceu ela. - Mas agora que você me resgatou, tudo vai acabar bem.
A viagem não duraria muito. Minutos depois, saí da Interestadual e peguei a rodovia 63 que passava pelo Parque Nacional Histórico de Pecos. No MP3, Cash cantava sua versão de "One".
- É o Cash? - Indagou Esther surpresa.
- Ele gravou U2; não tinha ouvido essa? - Indaguei.
- Não - admitiu ela. - Olha, eu vou ficar ali na frente...
E apontou para a direita da estrada, onde viam-se as luzes amareladas de um povoado tremeluzindo sobre uma colina.
- Engraçado... não sabia que havia um vilarejo por esse lado - declarei intrigado. - Tem certeza de que não quer que te deixe na porta de casa? Daqui até lá, dá mais de 200 m.
- Não, vai acabar com a suspensão do seu Tucson - redarguiu ela, rindo. E, soltando o cinto:
- Olha, Dylan, te fico muito agradecida! Você é um verdadeiro cavalheiro!
- Não há de quê, Esther. Prazer em ajudar - respondi. - Só tome cuidado com esse seu namorado... parece ser um tipo traiçoeiro.
Ela já havia descido do carro e olhou para mim muito séria, ainda segurando a porta.
- Pode deixar, Dylan. Eu vou tomar cuidado.
Voltou a sorrir e acenou.
- Adeus!
- Adeus, Esther! - Acenei de volta. Depois, concentrei-me em fazer a manobra para retornar à Interestadual, e só depois olhei para o ponto onde havia deixado Esther. Não havia ninguém ali, e com certeza ela não tivera tempo de desaparecer das minhas vistas.
- Mas que diacho... - murmurei.
Parei o carro, e olhei cuidadosamente na direção onde vira o povoado. Não havia nada lá também, sequer luzes acesas. Mais do que depressa, pisei no acelerador e tomei o caminho de volta para a Interestadual, sob o luar do Novo México.
No MP3, Johnny Cash cantava "Solitary Man".
- [21-06-2019]