Hóspedes involuntários

[Continuação de "Aliados improváveis"]

Quando a coluna de tanques chegou ao castelo Liebwin, uma antiga construção do século XIII, Rüdiger, o soldado desertor, foi ter com seus companheiros da Wehrmacht, que observavam apreensivos os veículos americanos do alto das muralhas. Como era um dos poucos austríacos que falava inglês com fluência, foi alçado à função de intérprete pelo capitão Fletcher.

- Melhor deixarmos apenas um tanque montando guarda do lado de fora - avaliou o capitão, após uma rápida inspeção do prédio e do contingente que o guardava. - Os demais, ficam estacionados no pátio interno do castelo, caso precisemos contra-atacar.

O sargento Roth, que falava um pouco de alemão, ficou encarregado de organizar a defesa interna com os soldados da Wehrmacht, algo que o deixou um tanto embaraçado.

- Seis meses atrás, se me dissessem que um judeu estaria comandando um grupo de nazistas em território alemão, eu perguntaria o que a pessoa havia bebido. Ocorre que esse judeu sou eu - confidenciou ao capitão.

- Eles não são exatamente nazistas, sargento. Você vai comandar um grupo de rapazes austríacos, em sua maioria - acalmou-o Fletcher. - Verdade que tecnicamente ainda são nossos inimigos, mas a guerra está acabando e Hitler está morto. Talvez seja hora de saber se estão prontos para lutar contra os SS, que logo deverão estar aqui.

Roth foi então distribuir a sua companhia improvisada pelas muralhas e ameias do castelo, enquanto Fletcher e o tenente Cox acompanhavam Rüdiger à ala reservada aos experimentos do Projeto Varulv. Dois soldados guardavam a entrada do setor, fechada por um imenso portão de carvalho, e pareceram ficar aliviados com a chegada dos americanos.

- Cigarros? - Indagou um deles em inglês, ao capitão.

Fletcher sacou um maço pela metade de cigarros Camel e distribuiu-os entre as sentinelas, recebendo de volta sorrisos e agradecimentos em alemão.

- Normalmente, a SS estaria guardando este setor - explicou Rüdiger, enquanto um dos seus colegas abria o portão - e em hipótese alguma deixaria que alguém fumasse aqui.

- Então, estou quebrando as leis anti-tabagistas do Reich? - Indagou jocosamente Fletcher, seguindo o austríaco por uma passagem revestida de blocos de pedra e iluminada por lâmpadas incandescentes dispostas a intervalos regulares no teto abobadado.

- Isso - confirmou Rüdiger, virando-se para trás - e também porque os animais aqui dentro são muito sensíveis ao cheiro do tabaco.

O fim da passagem abria-se num grande salão, que abrigava o que parecia ser um laboratório clínico, com bancadas cheias de vidrarias e equipamentos eletrônico de finalidade desconhecida, com vários mostradores e botões reluzentes. Junto à parede do fundo, estavam dispostos meia dúzia de arquivos de aço, e entre eles, uma porta larga, feita com grades de ferro, que levava a outro corredor.

- Nunca passei por aquela porta - explicou Rüdiger, parando na entrada do laboratório. - Este setor é restrito, não era permitida a circulação de soldados do exército regular aqui.

- Imagino que o canil deve estar além dela - avaliou Fletcher. - Mas é estranho como tudo está quieto. Quando deve ter sido a última vez em que alimentaram os animais?

- Os últimos SS partiram ontem à noite - replicou o rapaz. - Provavelmente, estão há mais de 12 h sem comer.

Enquanto isso, Cox foi caminhando vagarosamente em direção à porta de barras de ferro. Parou à cerca de um metro da mesma, mão na coronha da pistola Colt .45 que trazia na cintura. O corredor em frente estava mergulhado na penumbra, mas pode perceber que havia portas metálicas de celas, fechadas e numeradas, de ambos os lados do mesmo.

- Ei, capitão... isso parece uma cadeia, não um canil - alertou, virando-se para Fletcher e Rüdiger.

Foi então que, de algum ponto dentro do bloco de celas, ouviu uma voz fraca indagar em alemão:

- Ist da jemand?

[Continua em "Laboratório do medo"]

- [07-04-2019]