NOITE FELIZ
EM ALGUM LUGA:
Noite de Natal, neve caindo e eu andando sozinho pelas ruas solitárias. Em cada janela que vislumbro, vejo sorrisos e alegria, amor e confraternização. Mas comigo eu levo apenas dor e solidão.
Estou com frio, mas preciso te ver. Mesmo que você não possa... Nem me ver e nem conversar. Numa das mãos uma garrafa de whiskey, na outra um ramalhete de flores. Não sei de onde tiro essas ideias...
O portão segue trancado, mas ainda sei do vão no muro e é por lá que adentro o seu lar.
A neve deixou tudo branquinho... O silêncio é a minha única compania. Meus pés estão gelados, alias todo meu corpo. Caminho até sua lápide e deposito suas flores.
--- Oi amor, sou eu, Jimmy. – disse sem jeito, o frio cortando meu rosto descoberto. --- Vejamos por onde começo... – olhei ao redor pra ver se não havia ninguém olhando, mas na noite de natal e com esse frio, que está fazendo, acho difícil, mais alguém ser tão estúpido quanto eu. --- Tô com uma saudade danada de você. Porra! – olho pro céu e um floco de neve cai na minha cara. --- Que irônico né? Tomara que tenha aprendido a olhar pros dois lados antes de atravessar a rua. – sem querer eu dou risada e logo em seguida percebo que não deveria ter feito isso. --- Ah bosta, perdão... – tiro a garrafa do saco de papel e mostro pra você orgulhoso.
--- Não tenho certeza, mas acho que você, de onde estiver pode me ouvir. --- abro a garrafa com o dente e tomo um longo gole. Me sento encostado na sua lápide. --- Vi coisas engraçadas acontecerem, não que o seu acidente seja engraçado, mas porra, quantas vezes eu pedi pra que você tomasse cuidado na rua... Porra! – sinto uma lágrima solitária descer pelo meu rosto e antes que congele eu limpo com o braço. --- Sabe, li em algum lugar, algo mais ou menos assim, que você nunca morre realmente enquanto alguém vivo se lembrar de você... – tomo outro gole. --- Esquisito né? Bom ao menos eu me lembro de você, então você segue viva dentro de mim...
O vento corta o ar e de novo percebo que estou chorando. Tomo mais um gole pra ver se espanta a dor e o frio, mas mais uma vez fracasso.
--- Não me lembro do seu cheio... – relato com tristeza. --- Você morreu tem dois dias e não me lembro mais do seu cheiro. Eu gostava do seu aroma... Porra... – limpo as lágrimas. --- Sinto sua falta...
Começo a chorar novamente e passa a mão pela neve gelada. Respiro fundo, mas não impeço de soluçar. Meu peito parece arder, vazio dentro do meu corpo.
--- Olha Valentina, tem coisas que nunca te contei... Família, de onde vim, o que eu fazia para viver... Nada pessoal, mas eu nunca iria contar e se contasse, você não iria acreditar. – tomo outro gole. --- Deixa pra lá... Não gosto desse assunto. --- olho novamente pros lados, sozinho. --- Deus, já vi tanta gente morrer. Minhas esposas, meus filhos e filhas, meus amores... É Valentina, nem sou galinha, mas já tive meus casos e meus amores. Sou vivido, pode-se dizer assim. – bebo um longo gole. --- Fazia tempo que não me envolvia com ninguém, até que você apareceu... Achei que teríamos mais tempo.
Me deitei na neve e fiquei calado or um tempo, um longo tempo. Acho que dormi, pois quando acordo tem neve cobrindo meu corpo, me levando e bato até que ela caia...
--- Ironia de novo... Eu aqui, deitado num cemitério, mas do lado de fora da cova... – bebo mais um pouco. --- Nunca é fácil perder pessoas que amamos. – me ajoelho e toco sua lápide com carinho. --- Enfim, era isso que eu queria te dizer.... – me levanto e tomo o que sobrou na garrafa. --- Sinto sua falta Valentina, queria me lembrar do seu cheiro...
Assim como cheguei, eu me afasto, sem alarde, sem pressa, apenas mais vazio do que quando entrei. Minha noite feliz de natal.
FIM?