s u b V e r s I V A
s u b V e r s I V A
Então, hoje é quinta. Você acorda ainda meio bêbada, o quarto dá ideia do estado do resto da casa; um caos. Há bitucas de cigarros, roupas, latas de cerveja e camisinhas espalhadas por cada centímetro quadrado do quarto. Nada muito surpreendente, é claro. Todas as minhas quintas são assim, rotineiras. O estranho, talvez seja a ausência de "Nestor", meu gato, que sempre me acorda quando está com fome, ou quando pensa que eu estou morta. Levanto-me, por fim, sinto-me um pouco suja, minhas virilha ainda arde, e há resquícios de uma noite bastante agitada, lavo-me no banheiro e passo tempo demais olhando meu corpo nu frente ao espelho, ultimamente tenho feito isso todos os dias, já que este corpo perfeito ainda é novidade para mim, e as tatuagens dão-me algo a mais que nem consigo pensar exatamente o que é, talvez uma mistura de poder e perigoso, ou sei lá o que... por fim, visto-me, ponho minha jaqueta estampada e minhas botas novas, e verifico se minha autorização especial ainda está em minha calça, vejo aquele brasão do governo federal, sim ainda está. Como um pedaço de bolo com cobertura branca e rosada, que já está meio duro, e que não imagino como ou quando veio parar na minha geladeira, pra melhorar o gosto faço um café, e logo acendo um cigarro, se tem uma coisa que aprendi nesse mundo é que não importa o quão nojento a substância que se põe à boca seja, o cigarro sempre consegue melhorar um pouco, ou ao menos torná-la indiferente ao paladar. Sento-me numa cadeira e penso no itinerário de hoje, terei de sair com dois oficiais agora a tarde, e à noite um figuração do regime. Pensar nisso me traz ânsia, melhor assim, o bolo estava horrível mesmo, volto a focar naquele figurão, talvez esta seja a oportunidade perfeita. Ninguém desconfiaria... na pior das hipóteses, pegariam-me antes que conseguisse fugir, mas nada disso importa muito, a vingança nunca vem sem risco. Pego as chaves em cima da TV, olho-me uma última vez no espelho e penso se não exagerei no veneno que disfarcei em meu batom, não, está tudo certo, agora só preciso por em sua corrente sanguínea, e o ânus é minha melhor aposta. Logo que decido isso, vou até a porta e olho também uma última vez para a tímida foto na parede, trata-se de minha linda filha "Mary", ela parece feroz feito uma leoa no retrato, isso é, puxou a mamãe, percebo isso mesmo ela estando em meio a toda aquela gente... ver-se muitos cartazes nas mãos dos outros manifestantes, minha filha tem "2019" escrito na testa, ainda consigo ouvir a voz nojenta daquele juiz à condenando... "subversiva...", até logo filhinha, e com o meu melhor sorriso, dou adeus aquela casa.
(Thiago Campos, 25/10/2018)