Destino pior do que a morte
Acabei de ler em voz alta a última frase do capítulo:
- "...e então, a cruel vilã foi sentenciada a ser internada por toda a vida no asilo de loucos, na ala dos leprosos."
A minha plateia à volta da mesa não pareceu muito animada.
- Não - disse Joana, balançando negativamente a cabeça. - Não estamos mais no século XIX.
- Às vezes, tenho cá minhas dúvidas - respondi, tentando fazer graça. Ninguém riu.
- OK, é um destino pior do que a morte, mas está muito batido - avaliou Ismael. - Eu concordo com a Joana. Lucas? Ana?
- Não peguem pesado com o Marcos - disse a doce Ana em minha defesa. - Afinal de contas, é uma obra de fantasia. Ser internada num hospício sem ser louca... vá lá... e loucos leprosos... até morrer... é pior do que uma sentença de morte direta!
- A vilã pagará por todos os seus pecados! - Animei-me. - Os incontáveis envenenamentos, tráfico de bebês, falsos testemunhos... a lista é imensa!
- Está muito exagerado - ponderou Lucas. - Se você colocar um desfecho desses, o pessoal dos direitos humanos é bem capaz de protestar.
Se a intenção era fazer graça, mais uma vez ninguém riu.
- A obra é de fantasia - insistiu Ana. - Porém...
- Porém? - Ecoei, esperançoso.
- Eu vou dar uma sugestão... não me leve à mal, Marcos...
- Claro que não, Ana.
- Pois... a vilã é sentenciada mas declara-se arrependida dos seus pecados. E o advogado dela invoca uma lei consuetudinária que permite a uma nobre que não foi sentenciada à morte, optar pela clausura.
Olhei intrigado para Ana.
- Existe isso?
- Não, mas acabei de inventar - riu-se ela.
- Nossa... é muito canalha esse final - Lucas parecia genuinamente admirado. - Ponto pra Ana!
- A Ana não pode estar falando sério... - protestei. Em vão.
E, para deleite dos presentes, Ana acrescentou, ainda rindo:
- O advogado poderia se chamar Saul!
[17-04-2017]