Vipassana

Vipassana

(Alex Louzada)

A Pedidos, estarei contando aqui minha experiência de 10 dias no centro Vipassana, Localizado em Paulo de Frontin..Salientando que Vipassana se trata da técnica Budista de meditação que existe e é ensinada há mais de 2.500 anos. Confinado e sem poder me comunicar, assim foram meus dias por lá:

A Chegada - Fui muito bem recebido por um servidor de lá. Ele foi muito simpático e me perguntou se era a primeira vez que eu participava, logo, me fazendo preencher uma ficha onde constava perguntas do tipo: usa ou já usou drogas? Usa ou já usou Álcool? e por aí ia... essa mesma folha seria usada na sequência, referindo-se a ela como uma espécie de contrato. Depois de assina-la, recebi as orientações do mesmo servidor que logo me orientou sobre o meu quarto. Estava cansado, foram 1 hora de caminhada até chegar ao lugar, coloquei a mochila na cama e fui conversar com algumas pessoas que chegavam. Muitos simpáticos, a grande maioria estava lá pela primeira vez e não sabiam exatamente do que se tratava, apenas superficialmente. Minha primeira impressão do lugar foi legal, acomodações simples, porém limpas. Bichos circulavam o quarto, pois claro, estávamos no meio da selva, Era uma quarta-feira e no final da tarde tomamos um lanche. A noite foi caindo e a primeira situação que me deixou tenso foi essa: escutei o Gerente do Hotel, o mesmo que por sinal tocava o sino Tibetano nas atividades de meditação, dizer em voz alta que ninguém iria sair daquele lugar, que por termos assinado um contrato estávamos ali e por ali teríamos que permanecer até o fim. Tive uma sensação horrível, um misto de pavor e medo. Seria esse lugar uma seita macabra? Estariam eles praticando algum estranho ritual? Cortariam eles minha cabeça e me jogariam na mata depois de alguns dias? E se eu morresse ali, como encontrariam meu corpo? Fui dormir com esses questionamentos e para adicionar a meu medo, um dos caras que dormia no quarto começou a ter um comportamento estranho Ele falava uma língua estranha, pensava em voz alta e parecia estar possuído. Eu fechei os olhos, como quem fecha o zíper da calça, e só acordei no dia seguinte, precisamente às 4 da manhã, com o sino do badalo Tibetano.

Primeiro Dia : Meditação - Meditação em cima de Meditação. Dia de dores. Só dores. Não havia como meditar. Tudo doía, costas, braços, pernas. 3 refeições, e um dia que parecia se desdobrar em dois. O silêncio ainda não incomodava. Só havia lugar para as dores.

Segundo Dia - Fuga - As dores iam se transformando em pequenos alertas de câimbras. Eles já haviam falado que estávamos presos ali. Havia deixado na recepção meu celular, carteira e relógio Como iria fugir, deixando pra trás essas coisas? Nesse dia comecei a observar todos os movimentos da casa. Pra onde iam, de onde vinham, onde eram mais vulneráveis. Não poderia pagar pra ver e ficar ali. Era uma sexta feira e decidi que no máximo só ficaria ali até sábado. Orquestrei minha saída quando estivéssemos meditando na sala principal. Deixaria aquele lugar num plano de fuga e depois chamaria a polícia pra recuperar meus objetos pessoais. Tudo bem programado, eles não iriam me alcançar. A noite o palestrante disse que considerava o segundo e o sexto dia os mais difíceis de todos. Aquilo por alguns minutos me acalmou. Foram os únicos momentos tranquilo, e isso só ocorreu por volta de 21:00 naquele dia.

Terceiro Dia: Filha - No terceiro dia eu me sentia muito fraco fisicamente. As paranoias começaram cedo aquele dia. Eu pensava na relação com minha filha, me questionava se estava sendo um bom pai. Pensava que nunca mais poderia ver ela. Nesse dia, comecei a meditar seriamente, pois eu estava com medo de surtar. Os sentimentos vinham muito forte e cada vez mais pesados. A parte humana era mais forte que todo resto. Eu pensava em pessoas e não em coisas. Percebia o quanto "coisas" eram insignificantes. Esperar no trabalho sua felicidade era o mesmo que esperar na mulher seu ponto de equilíbrio. Quantas ilusões!! Nesse dia, comecei a observar minha respiração e mente. Como minha mente se distraia nos momentos de meditação. Comecei a puxar ela pro lugar, como quem puxa um cavalo indomável. E pedi perdão para todos aqueles que eu magoei e fiz sofrer. Veio então o outro dia

Quarto Dia - Reconciliação- Viver no presente. Planejar sim, mas sem desejos. O desejo era uma das causas dos nossos sofrimentos. Foram esses meus primeiros pensamentos desse dia. Outras visões positivas foram batendo. Percebi que minha " Falta de Foco" era apenas algo de minha personalidade. Duas pessoas não possui o mesmo DNA. Experimentar coisas novas, fazia parte de minha natureza. Eu vim aqui para fazer de tudo um pouco e nada ao mesmo tempo. Foi um dia de reconciliação comigo. A voz dizia: faça 10, 20 cursos juntos. Faça o que você quiser, seja quem você quiser ser. Nesse quarto dia entendi os benefícios de estar ali e que aquilo de alguma forma faria parte de minha vida para sempre

Quinto Dia - Vento no Litoral - A metade do curso havia chegado e com ela o grande desejo de ir embora. Desejo pronto sofrimento. Por mais que entendesse, esse dia foi extremamente delicado. Sentia falta do sol, de minhas coisas. Os bichos, que incomodavam mais alguns do que outros, não eram problemas pra mim. Pererecas, Sapos e Cobras eram visto como parte de nossa estadia ali. Já sabíamos identificar cada um, por mais parecido que fossem. Um Sapo que sempre estava na nossa porta às 04:30. Uma Cobra que atravessava sempre às 07:30 pra passear ou caçar. Tudo era muito harmonioso e até os maribondos sempre estavam com a gente nos banheiros. Mas a tristeza bateu aquele dia. Eram muitas perguntas e sentia como se naquele dia, minha estadia ali já não mais fizesse sentido. O quinto dia se foi e nem as meditações pareciam fazer efeito naquele dia. E assim aquele dia estranho se foi

Sexto Dia - Paranoia - As Paranoias voltaram a tona. Tudo estava organizado na minha mente, mas não mais fazia sentido estar ali. Muitos haviam conseguido fugir. Muitos desses eu mantive conversas na chegada ao curso. Cada dia, na sala de meditação, percebia a falta de um companheiro. Nesse dia, meditando em meu quarto, ouço vozes. Havia algo errado ali. Duas pessoas conversavam, normalmente em um quarto vizinho. Minutos depois, vejo um desses colegas sair cabisbaixo com sua mochila nas costas. Percebi que ele estava sendo expulso por ter quebrado o silêncio. O outro rapaz, logo depois, também sairia do jogo. Talvez tivessem combinado tais ações. Essa alternativa seria viável, mas para isso, seria necessário não prejudicar o outro. Essa sintonia, teria que ser perfeita e bem arquitetada, pelos dois. Nesse período, eu já sabia perfeitamente como a casa funcionava. Já sabia a rotina dos servidores "Guardiões" do templo. Paranoias vinham agora sobre o meu emprego, afinal, eu estava conhecendo uma espécie de prisão. E eu aprisiono pessoas. Não eu, exatamente, mas o sistema. Mas eu também faço parte do sistema. Me senti imundo. Você é pago pra tirar liberdade, fechar grades.! pensava eu... agora você está aqui, sendo vigiado e preso. É preciso sair! Numa dessas meditações, percebi que meu estudo em Letras/Literatura me faria estar libertando mentes e não aprisionando liberdades, como meu trabalho de Socioeducador "carcereiro" me faria. Ser Professor não é o sonho, mas uma ponte pra algo que não havia definido. Mas a construção da ponte é mais necessária hoje do que construir a outra "cidade". Percebi que no final do curso essa respostas seriam dadas. Era a resposta futura, frente a um dia terrível. O quinto havia sido ruim, mas o sexto dia estava sendo terrível. Trocaria a resposta no final do curso pelo retorno pra casa. Em meio a todas as confusões e retorno de conflitos internos, a noite vinha se aproximando. E a noite, sempre era a pior parte do dia pra fugir. Afinal, era uma caminhada longa do local até o asfalto. E a noite, os perigos seriam imensos, com possíveis ladrões e bichos por todo caminho. Estávamos iluminados, mas ainda não éramos buda! Não tínhamos o poder de conversar com os animais.! A mente foi se acalmando e nos finais das nossas atividades o palestrante mais uma vez mencionou o segundo e o sexto dia como os dias mais difíceis. Todo sentimento ruim estava dentro de mim e no final da noite fui dormir com a sensação de que o pior havia passado.

Sétimo/Oitavo/Nono Dia - Harmonia - Esses dias, trabalhei em perfeita harmonia, sem conflitos, meditando forte. Nesses dias, sabia dentro de mim que a técnica de meditação Vipassana, faria parte do meu dia dia e que havia encontrado dentro do meu silêncio e no Budismo uma certa paz interior. Apenas a natação me foi revelada como esporte a ser praticado, como complemento ao Budismo, nesses últimos 3 dias. Não havia mais dores, e quando sentia, as sentia sem reagir, como nos eram ensinados. A revelações foram se revelando internamente e assim chegaríamos então ao décimo dia.

Décimo Dia - Silêncio Quebrado - Dia em que o silêncio foi quebrado num belíssimo ritual. Depois de uma meditação,, antes do almoço, havia cadeiras com escritos diversos e informações atreladas ao curso. Sorrisos ainda tímidos se espalhavam pelos alunos. As primeiras palavras se ouviam quase como orações. O Clima era de como se houvéssemos sobrevivido. Começamos então a falar feito loucos. Nesse dia de fato, conhecemos nossos colegas de quarto. Muitas histórias foram contadas, e ríamos sem parar nesse dia da quebra do silêncio. Sentíamos como se estivéssemos passado os melhores e piores dias de nossas vidas. Percebi ali, o que são 24 horas. O que de fato representa um dia de nossas vidas. Imagine isso multiplicado por 10, totalizando 240 horas. Saímos do curso felizes e foi incrível a sensação de saudade! mas não a saudade de continuar! Era uma sensação de que aquilo não haveria de passar em vão em nossas vidas. De que havíamos passado por algo cirúrgico e inesquecível.