A CASA

No alto do morro estava ela. Aquela casa, já há muito tempo abandonada, nada mais passava a não ser uma simples, doce e intensa melancolia. Seus jardins, já mortos, faziam com que o ar da tenebrosa mansão se tornasse mais pesado. As árvores, velhas e sem folhas, ao cair da noite sobre a luz da lua, faziam sombras de espectros horríveis nas paredes. Uma casa sem cores e a única música que ali tocava era a do silêncio absoluto. Diante de tamanha tristeza, uma única imagem chamava a atenção, um rosto que, por vezes, aparecia na janela.

Ele caminhava sozinho pelas estradas escuras da região, o frio intenso e a chuva gelada não eram o que mais lhe causavam calafrios, mas sim a imagem daquela casa em meio à neblina e os segredos que ela poderia esconder. Desde que havia saído de sua cidade, S. não pensava em outra coisa que não fosse decifrar o que havia naquela mansão e, para isso, não pouparia esforços, antes mesmo do amanhecer estaria lá.

Depois de passar por estradas perigosas e caminhos escuros, finalmente chega, muito antes do que havia previsto, a casa que tanto buscava. Ao parar no portão de entrada, dois grandes arcos, S. sentiu algo estranho lhe paralisar, esfriando-lhe a espinha, algo que jamais sentira antes. Respirou fundo e seguiu em frente, estava na hora de decifrar aquele casarão e descobrir o porquê que se sentia imensamente encantado por ele. Antes mesmo de bater, a porta se abriu, na sua frente uma figura incrível, era ela, estava lá.

Ela, uma linda morena de olhos negros, cabelos longos, envolta em um vestido longo, preto, uma verdadeira dama, carregava no rosto um leve sorriso, tímido e encantador. Era dela o rosto que, de tempos em tempos, aparecia na janela. S. hesitou em entrar ao primeiro convite, porém, sentido o vento frio e a chuva gelada tocar em seu rosto, decidiu aceitar o convite e entrou na sombria mansão e, antes mesmo que ela lhe perguntasse algo, explicou que ali era o único lugar que ele poderia se esconder da chuva torrencial e do frio que fazia lá fora. Ela nada disse, apenas sorriu, acenou positivamente e saiu em silêncio, sendo acompanhada pelo rapaz.

Quando chegaram à sala principal, um aposento grande com um imenso sofá ao centro, um piano impecável e uma grande mesa com duas cadeiras, todo o aposento iluminado por dois grandes castiçais, um em cada extremidade da sala, S. não conseguiu esconder sua apreensão e perguntou quem era ela e se morava ali sozinha. Depois de um curto tempo, mas que para ele parecera uma eternidade, finalmente ela respondeu, seu nome era M., morava ali sozinha e, depois que seu amor morreu, nunca mais saíra daquela casa. Confessou a S. que esperava por ele, que sentia sua presença muito antes do que ele imaginava. Nesse momento S. sentiu novamente aquele sentimento que houvera sentido na entrada, M. levantou-se e dirigiu-se ao piano, e com uma incrível maestria começou a tocar uma canção própria, bela, mágica, melancólica. S. percebeu que aquela canção lhe parecia familiar, ele a ouvia todas as noites sem saber de onde vinha aquele som e que música era aquela, só achava incrível, adorava ouvi-la. Pensava ser fruto de sua mente, de sua imaginação, mas viu que não, era real.

Embalado pelas incríveis notas que eram tocadas, ele sentiu algo estranho lhe tocar a face, um medo, uma angústia, sentimentos que lhe fizeram tremer, por mais que tentasse não conseguia se mover, aquela música, aquela voz, as notas tristes, aquela mulher, estava em outra realidade, saíra de si, mergulhara em um sono profundo.

Lá estava ela. M. esperava por ele e agora estavam juntos, dançando a mesma música. A melancolia dos olhos da jovem havia desaparecido, as notas soavam alegres, estavam felizes. Seus corpos se entrelaçavam e se encaixavam como nunca antes houvera acontecido, sentiam o amor. O cheiro dela, seu corpo, sua voz, aquilo era único, S. não queria que acabasse. Quando chegaram ao auge, ao topo do sentimento que ali brotava, novamente o medo tomou o rapaz e, de repente tudo, tudo se apagou.

Cadê M.? perguntava-se. Onde estava a deusa de seus sonhos? Procurou em cada aposento do casarão e nada, o piano intacto, não achava a saída, as portas haviam sumido, ali restava à solidão e o silêncio. À noite, S. sentava-se ao piano e tocava aquelas mesmas notas que o fizeram adormecer e acreditava que, cedo ou tarde, M. estaria novamente com ele naquela sala. Passava o dia de aposento em aposento procurando seu amor. Lá fora, quem passava, por vezes via, em meio à melancolia que envolvia a casa, um rosto aparecer na janela, o rosto de um jovem, marcado pela dor, pela angústia, com os olhos frios, distantes e belos, belos como somente a beleza melancólica da perda e do fim podem realmente apresentar.

Sergio Borges
Enviado por Sergio Borges em 22/10/2015
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