Na escuridão de meu ser
Eu sabia desde aquele específico instante, que o ambiente havia mudado. Não era imaginação, algo me acompanhava. Sentia que algo neste breu me envolvia sem me tocar, me fitava sem me enxergar. Desde o fatídico momento, desde que o ambiente tornou-se inóspito. Aquilo mudou minha mente. Desde quando a luz se apagou e a escuridão se apossou do local, uma onda de sentimentos estranhos, antes nunca sentidos, mostrou-se presente na proporção desta ausência de luz. Pressenti que ali ficaria, inerte e de forma atemporal. Este local era o único em que estaria seguro. Claramente uma ameaça estaria a espreita ali fora. Ficava ali, deitado naquele local hostil apenas a presenciar ruídos e movimentos. Não conseguia fechar os olhos. O que poderia fazer?
Precisava averiguar o resto que me cercava, ver o que me fez esquecer de quem sou e onde estava, afinal. Em um momento de calmaria e escuridão ímpar, pude tomar coragem e desvendar o que me intrigava. Local pequeno, cúbico e... uma cama? Eu estive abaixo disto? Misteriosamente, um sentimento familiar ecoou em meu ser. Mais forte foi, ao ver duas pessoas deitadas, unidas por um abraço amoroso. Logo a frente notei o reflexo delas em um espelho mesmo com toda a escuridão, adormecidas. Pouco vi, algo como um borrão. E este espelho... Sim! Foi outra coisa que me chamou a atenção de forma nostálgica e misteriosa. O que me ocorreu? Amnésia? Como não lembro de coisas tão marcantes? Afinal, quem sou eu? Onde estou? Preciso me aproximar, pensei comigo. Precisava ver urgentemente quem seria aquele casal ali deitado, talvez acordá-los... Já sei! Talvez lembrasse de algo esclarecedor ao me olhar no espelho, algo que tire toda a dúvida que carrego comigo desde o momento mais angustiante que vos descrevi. E o fiz.
Me aproximava do objeto. Senti uma coisa muito estranha, uma repulsa e ao mesmo tempo um desejo de aproximação. Não, algo estava muito errado. Quanto mais eu me aproximava deste casal, ao lado do espelho, mais tremedeiras acometia a um deles. Estava tão frio assim? O frio parecia consumir todo o seu corpo. Mais e mais. Estava bem próximo deles e consequentemente, do espelho. Era minha hora, com certeza. Uma satisfação me tomava, eu tinha certeza da descoberta que iria realizar. E neste exato momento fiquei petrificado. De fato, fiz uma incrível descoberta. Porém, não fui o único a fazer uma. A mulher, tremendo de frio, acendeu um pequeno abajur que havia ao seu lado. E ouvi palavras proferidas por ela de forma angustiante, melancólica, desesperada urrando para o rapaz acordar. E pude ouvir um lúgubre e eterno silêncio como resposta. E congelado eu estava ao ver que eu não me fazia presente no espelho. E desapareci dali. Sumi assim, como o sopro da vida sumiu daquele rapaz. E a escuridão tomou conta do local e toda indiferença e dúvida voltou a me circundar. Percebi que as trevas compunham meu ser. Notei que as sombras eram meu lar. E para sempre o som do silêncio reverberaria por aquele quarto frio.