Desterro

Atravessou o salão a passos firmes como se fincasse os saltos no assoalho vitrificado, que de seu exuberante reflexo se via: _ Na malícia do olhar, a expressão ávida, deixavam os olhos entornarem todo o mel em busca de confidências.

Olhou para os lados, dissimulada, pétrea e fria: Talvez sacasse a arma de sua bolsa e apertasse o gatilho. Não pensou muito, não esfriou os tímpanos e nem o seu cérebro lindo. Ela já havia decidido. Espatifaria o crânio daquele dejeto.

Deu uma última olhada no espelho do hall, jogou os cabelos repartidos para o lado e deixou-se levar pelas lembranças...

E no vácuo do silêncio, que a tarde fria entoava, desviou para si mesma, os olhos marejados, junto com o espelho, em craquelê vermelho.

Sentiu-se enjoada. Uma espécie de atração e repulsa. Correu para a porta do seu quarto, alcançou a suite e cuspiu na pia todo o amargor que jamais sentira. Lavou o rosto para despertar de mais um pesadelo.

... E logo após, ainda gargalhava com a arma carregada e guardada a sete chaves no criado-mudo; sorriu ligeira e nem teve tempo de engatilhar o momento crucial...

Deteve-se atônita com as luzes de neon, que atravessavam as venezianas daquele hotel , mais um ancoradouro de sua plúmbea decadência. O retorno de suas estranhezas. O fim repentino da certeza de que um dia a ruína fosse destronar o seu rei.

Lá fora a chuva fina era agraciada com o cheiro do baseado, com um raio imediato de lucidez.

Era o desterro.

Zeca Baleiro -Ópio

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 28/07/2015
Reeditado em 28/07/2015
Código do texto: T5326912
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