Desterro
Atravessou o salão a passos firmes como se fincasse os saltos no assoalho vitrificado, que de seu exuberante reflexo se via: _ Na malícia do olhar, a expressão ávida, deixavam os olhos entornarem todo o mel em busca de confidências.
Olhou para os lados, dissimulada, pétrea e fria: Talvez sacasse a arma de sua bolsa e apertasse o gatilho. Não pensou muito, não esfriou os tímpanos e nem o seu cérebro lindo. Ela já havia decidido. Espatifaria o crânio daquele dejeto.
Deu uma última olhada no espelho do hall, jogou os cabelos repartidos para o lado e deixou-se levar pelas lembranças...
E no vácuo do silêncio, que a tarde fria entoava, desviou para si mesma, os olhos marejados, junto com o espelho, em craquelê vermelho.
Sentiu-se enjoada. Uma espécie de atração e repulsa. Correu para a porta do seu quarto, alcançou a suite e cuspiu na pia todo o amargor que jamais sentira. Lavou o rosto para despertar de mais um pesadelo.
... E logo após, ainda gargalhava com a arma carregada e guardada a sete chaves no criado-mudo; sorriu ligeira e nem teve tempo de engatilhar o momento crucial...
Deteve-se atônita com as luzes de neon, que atravessavam as venezianas daquele hotel , mais um ancoradouro de sua plúmbea decadência. O retorno de suas estranhezas. O fim repentino da certeza de que um dia a ruína fosse destronar o seu rei.
Lá fora a chuva fina era agraciada com o cheiro do baseado, com um raio imediato de lucidez.
Era o desterro.
Zeca Baleiro -Ópio