Guarde Suas Palavras...
Eu a tomei pelas mãos e disse o quanto a amava, mas ela parecia não escutar.
- Nada disso importa mais – limitou-se a dizer.
Paramos em frente ao píer banhado pela lua. Pousei com cuidado minha mão em seu queixo para erguer seu rosto. À luz do luar, encarei um par de olhos sem vida, inanimados, azuis tão claros que cediam ao branco. Um rosto pálido, inocente, e um corpo igualmente alvo dentro de um vestido de cetim e lantejoulas negras.
- Por quê? - perguntei, gentilmente.
Sua íris se desviou outra vez. Por um momento, o único som a ser escutado era o das cigarras, ao longe.
- Olhe para mim, Jenny! Eu te amo!
Ela não reagiu, nem ao aumento de tom da minha voz.
- Julian, guarde sua voz - ela murmurou.
Eu não estava disposto a desistir tão fácil:
- Jenny, meu amor! Lutamos tanto por isso, não podemos desistir assim - minha voz se transformou num gemido - eu não tenho mais nada, mais ninguém. Depois que perdi minha família para aqueles demônios... demônios de olhos rubros e dentes afiados...
De muito longe badaladas de uma igreja elevavam-se até eles. Jenny sorriu com sutileza.
- Não se preocupe, ficará tudo bem - e me abraçou.
- Mesmo? - perguntei, soluçando.
Ali perto, eles chegavam.
Um grupo de cinco ou seis indivíduos se aproximavam do píer, fechando a entrada, deixando eu e Jenny encurralados. Suas respirações pesadas e línguasinquietas eram perceptíveis mesmo àquela distância. Jenny havia percebido também. Um deles avançou sobre mim.
Mas eu estava prevenido. Saquei o revólver do meu terno e atirei no peito do vampiro. Ele grunhiu, teve convulsões e seu corpo começou a queimar. Jenny gemeu de susto ao meu lado.
- Se acalme - eu disse, entre dentes - não deixarei que cheguem a você. Eu te amo e não deixarei...
Jenny murmurou:
- Eu disse, guarde a sua voz...
Ela se aproximou de mim por trás e logo senti um rude baque em minha nuca, fazendo a arma voar da minha mão e cair na água. Caí de bruços. Não consegui pensar em nada além da dor que sentia, e da incredulidade que escorria em meu peito. Não, não podia estar acontecendo...
Jenny se aproximou de mim, puxou meus cabelos para cima, e disse ao pé do meu ouvido:
- Há muitos no Outro Mundo que nunca tiveram um amor correspondido. Tanta devoção num homem como você, e tanta submissão também. Eu nunca te amei. Nunca tive um coração para amar... desde que ELE me transformou - pegou minha cabeça e apontou para o vampiro cadáver - este aí que você deixou em cinzas.
Os outros vampiros já tinham se aproximado, entre gracejos, murmúrios e sorrisos. Eu já não tinha forças para me levantar, quando ela disse:
- Guarde suas palavras... para as donzelas do Outro Mundo.
Uma ponta fria e metálica percorria minha garganta da esquerda para a direita, enquanto o líquido sagrado deixava meu corpo junto com minha própria vida. Os demônios suspiravam de sede ao meu redor, enquanto eu desejava mais do que tudo, morrer logo.