Amor à Morte
Em outra era havia um pequeno vilarejo perto de um grande rio que tinha muitos peixes. As pessoas com o passar dos anos acabaram se instalando às margens e o vilarejo foi construído.
Nele, havia muitas pessoas boas, mas elas precisavam comer e para isso acabavam matando animais e era nesses momentos que eu aparecia...
Eu sou a Morte, mas apesar do meu nome eu também sei dar a vida, afinal, os animais mortos salvam os famintos. Eu sou alta, cabelos prateados, olhos vermelhos e vestes negras. Quando recolho alguma alma, preciso da Foice da Eternidade, uma relíquia que se revela a mim nos momentos em que mais preciso.
Ninguém nunca me viu e apesar disso, sou apaixonada por cada criatura da Terra, principalmente borboletas. Borboletas voam livres para todo lado, eu não.
Uma noite, a lua estava alta no céu – sempre gostei de conversar com a lua, tão quieta – e nas margens do grande rio, um garoto apareceu. Olhava-me com olhos serenos como se pudesse me ver, e de fato, via. Ele acenou e pediu que eu não fosse embora:
“Não vá! Eu conheço você, procurei por você minha vida inteira.”
Não entendi o que estava acontecendo, um humano nunca me vira e agora aquele menino estava parado lá, me pedindo para ficar.
“Quando eu era pequeno minha casa pegou fogo, e em meio às chamas eu vi uma menina de cabelo prateado levando meus pais... Um de cada lado. Sempre quis te reencontrar desde então.”
Lembrei-me daquela noite e da criança que eu deixei viver. Talvez tenha sido o meu toque que o fez me ver, mas era curioso que quisesse me encontrar outra vez. Então, pulando de pedra em pedra, cheguei ao lado do menino que me perguntou por que eu havia pulado:
“Em uma época distante, quando nada havia no mundo, eu vivia no céu com anjos. Um dia tudo ficou escuro e eu caí. Quando acordei, estava na Terra e sem minhas asas.”
Os dias se passaram, e não havia uma noite que o menino não visitasse as margens do rio. Antes, eu não sabia o que eram os sentimentos. Depois da queda, meu coração não pulsava mais, já não sentia nada. Eu vivia num grande buraco no meio do mundo, afundada cada dia mais em almas perdidas.
Eu nunca soube o nome daquele menino, tinha cabelos negros e olhos brilhantes que me faziam lembrar a lua alta no céu. Foram as primeiras coisas que eu amei no menino. Então a época de chuvas chegou, e o menino não vinha mais me visitar. O rio enchia muito nesses dias e a correnteza possuía uma força anormal.
Quando o menino voltou, a lua alta no céu tão cheia refletia nos seus olhos que olhavam para mim e diziam seus sentimentos.
“Te quero comigo!”
“Meu destino é a solidão. Eu sou a Morte, a presença na escuridão, a guardiã das almas. Não me é permitido ficar com um humano. Não me é permitido amar... Mas te amo!”
Não quis que o menino me visitasse mais. Se eu o visse iria querer levá-lo comigo e com ele, sua alma. Os dias que vieram me levaram de volta ao buraco escuro que me afogava, de volta às almas perdidas que apodreciam por desespero, de volta ao meu próprio desespero.
E foi na maior tempestade da temporada que o menino voltou ao rio, me olhou profundamente e eu soube... Sorrindo, se jogou na água. Ao som dos trovões, seu corpo foi sacudido e ao parar a chuva, já estava na areia escura do fundo.
Tirei sua alma de lá, mas ela estava em tamanha paz que não ficou perdida. Conseguiu atravessar seu caminho, chegou ao seu paraíso e me deixou para trás.
Eu não sabia que a Morte podia amar como os mortais, não sabia que iria me apegar a um simples menino qualquer da beira do rio. Mas aquele simples menino se tornou a minha maior preciosidade, apesar de nunca mais tê-lo encontrado. E nunca ninguém me viu como ele havia visto.
...“Talvez tenha sido pecado eu ter me apaixonado pela Morte, mas só o que conforta meu coração é esse terno pecado. Se, para ter a Morte é necessário morrer, então morro feliz porque morrer é ganhar um beijo seu”.