BRUXA
Bruxa
Quando a fogueira começou a arder debaixo de seus pés, ela se recordou com carinho dos dias que corria pelos campos floridos, dançando com o vento e cantando antigas canções de amor.
Viu surgir nas brumas da memória, o amado que se aproximava e a beijava com ternura os lábios umedecidos de paixão.
Como a vida era bela e suave! Como o Sol aquecia os sentimentos! Como eram frescas as noites enluaradas.
Tudo estava tão próximo e tão distante.
O fogo subia pelas vestes maltrapilhas e ensanguentadas. O fogo ardia em seu corpo jovem e sedento de vida. O fogo crepitava uma canção de morte e de dor. O fogo exterminava todos os pecados.
Que pecados?
O pecado de ser bela e livre?
O pecado de acreditar que tudo é natural e revelado?
O pecado de não querer acreditar em um deus perverso e vingativo?
O pecado de ir contra os princípios de uma ordem que queria dominar sob o jugo da ignorância?
O fogo exterminará todos os pecados. O pecado daqueles que acenderam as fogueiras para fazer calar o coração dos puros. O pecado dos anjos que não tocaram suas trombetas na noite suja de injustiças. O pecado de um deus que se calou na mais sinistra e repugnante era da humanidade.
O fogo calou, enfim, mais uma voz... e fez nascer outros milhões.
Marcos Villa Verde