Conto Sinistro de um Egoísta
Minha casa é muito grande. Grande demais pra mim, inclusive. Para minha família talvez seja normal, espaçosa e aconchegante. Chego na cozinho, penso em lavar algo, mas procrastino. Pego uma laranja que deixei na geladeira, pois assim poderei saborear melhor os últimos minutos de minha vida monótona. Pego uma cadeira de área e logo vou ao quintal. Nenhuma nuvem no céu. O sol escaldante só não era mais bonito do que a formosura da laranja que peguei para saborear. O canivete bem afiado já dedurava as emoções do que eu já tinha vivido. Passo ele sobre meu corpo, na esperança de que, acidentalmente, ele rasgue alguma artéria exposta pelo ardor das crises que ando tendo. Miro ele diante de meu peito, ao lado esquerdo. A bomba vital está latejando por socorro, ainda que eu não saiba o que ela realmente deseja, ela continua latejando por socorro. "Viver está difícil" ouvi alguma voz dizer. Aperto o canivete contra o peito na esperança de ter alguma coragem sobrenatural. Nada acontece. Apenas uma gota de sangue desce pela minha barriga, como uma lágrima mal colocada nos olhos de quem já derramei os mesmos sangues. O egoísmo e o egocentrismo consumiram-me como se fossem duas forças maiores. Num súbito momento, enfio por inteiro o canivete cujo qual não queria mais sair de dentro de mim. Ah, que sensação de alívio e desespero. Tento tirá-lo, mas ele não sai. Fincou-se bem com a minha pele cansada pela má consciência. E eu, no desespero da morte, arrependi-me e chorei. Acertei o ponto vital que destruiria a única chance que eu tinha de me redimir neste mundo. Não, eu não queria, mas já era tarde. Ah sim, por sorte acordei num hospital, cheio de aparelhos — daqueles que nos mantêm vivos, se ligados — e então decidi registrar tudo isso. O canivete ainda não tinha saído. Muito menos eu de meu corpo.