Ela e o corvo

Toda noite ela canta. Canta para que ele volte. Da sua janela em seu quarto escuro, ela se debruça no parapeito e olha vislumbradamente a Lua. Ainda está apaixonada. Será o amor mesmo imortal?

Ela acreditava.

Antes de partir, ele pediu que ela cantasse para ele voltar. E como prometido em seu leito, assim fazia religiosamente, esperando ele chegar com o mesmo sorriso que a iluminava por dentro, espantando todos os seus fantasmas. Cicatrizando as feridas de sua alma.

Melancolicamente ela esperava, todas as noites ela ansiava em reencontrar a força de seu espírito. Mas tudo que ouvia era o som dos galhos das árvores em volta e como companhia, um corvo aparentemente tristonho e amargurado. Mas ela insistia e cantava.

Uma hora ele volta, pensava.

Dias após dia, meses após meses ela cantava solitariamente junto do corvo, que parecia apreciar seu canto. Cansada de esperar, ela dormia toda noite em sua cama fria, sem calor do amor que lhe faltava e o corvo dormia solitariamente lá fora.

Um dia acordou e percebeu que o dia estava bonito e que o corvo lá estava, esperando para ouvi-la cantar. Vem corvo, vem pra mamãe, eu vou te cuidar!

E assim os seus dias agora eram menos solitários. Era tinha com quem se distrair, mas não tinha quem amar. Então sentia-se vazia e incompleta.

Na noite seguinte, o corvo pousou como habitualmente em sua janela, esperando ouvir sua voz para juntos, superarem o frio da solidão e assim calar as vozes obsessivas de seus pensamentos.

Ela não apareceu.

O que será que aconteceu?

Decidiu sobrevoar a casa à procura de sua amada. E encontrou silêncio e um nada varrendo suas penas. Aonde estava a sua amada? O corvo angustiadamente suspirava.

Dias frios, dias cinzentos, dias iguais o deixava sem paz, sem algum movimento. Inerte estava. Então desistiu. Decidiu voar para longe de sua imensa dor e quem sabe, encontrá-la andando sozinha por algum jardim perdido e sorrindo ou cantando, ao vê-lo, iria abraçá-lo como quem encontra novamente sua outra força de vida.

E voando para a sua ilusão encontrou ela deitada em dos grandes galhos de baobás, quieta como quem estivesse dormindo. Num buraco do galho: seringa vazia e um vidro com um adesivo escrito “cianureto” e ao seu lado uma pequena carta dizendo: fui te encontrar.