Milharal

15h30. Olhei para o céu cinzento acima de mim cobrindo meus olhos com minha mão direita. Suas nuvens ameaçavam chorar lágrimas calorosas de tristeza. Pouco podia-se ver de onde estávamos. Culpe os pés de milho. Dava para enxergar apenas as paredes da plantação, a estreita via de terra, o navio que era a casa flutuando no milharal e minha única testemunha: o céu.

Que dia lindo. Melhor impossível.

Voltei minha atenção à estrada adjacente da principal. E lá estava ela, linda, perfeita. Estava deitada no chão próxima ao amarronzado milharal. Usava um short jeans expondo suas coxas finas e esbeltas, uma regata cor branca com um decote provocativo e convidativo. Sua cabeça estava virada para a rua, seus olhos azuis inertes procurando salvação que não viria. Suas pernas macias tentavam ficar presas ao chão, a esse mundo – em vão. Mão esquerda apertando meu trabalho – em vão.

Em vão.

Já estava feito. Minha obra prima. Meu tesouro para o mundo.

Sua blusa já era uma mistura de vermelho vinho com branco. O chão já não tinha apenas uma cor, o vermelho se fundira. O vento soprava seu ferimento como se fosse sua mãe na tentativa de sarar o machucado. O céu chorou. Água não lavará mais sua alma. Não. Não mais. Apesar do mundo a querer de volta, ela não voltaria. Não se rasga a pintura de um artista.

Olhei minha mão. Sangue escorria da faca. Parte pingava na terra, parte escorria até meus dedos. Não segurei. Sorri. Recordo-me dessa sensação. Fazia tempo, mas eu me lembro. Adrenalina e endorfina circulavam por minhas veias. Já não podia dizer o mesmo de minha arte. Enquanto ela esfriava, eu esquentava.

Senti a chuva quente batendo no meu corpo. Ergui a cabeça e estiquei meus braços. Ouvi aplausos. Todos aplaudindo de pé meu trabalho.

- Esplêndido!

- Magnífico!

Rodopiei recebendo aplausos de todos os cantos. Sim. Um verdadeiro artista. Eu. Meus críticos podem negar o quanto quiserem, mas minha obra é perfeita.

Pale Rider
Enviado por Pale Rider em 16/12/2013
Reeditado em 17/12/2013
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