Devaneios

Acordo. Espreguiço-me e levanto. Com o mesmo pijama que vestia, giro a maçaneta da porta, atravesso a rua.

É um dia diferente. Não há sol, não há a mesma brisa do mar. O clima fúnebre, o ar gélido que me percorre o corpo e a escuridão reinavam.

Continuo caminhando, pés descalços, passos compassados e curtos, em direção ao nada.

De repente, não consigo mais andar. Paro, olho para o céu e noto aproximar-me dele. Não sinto mais os pés. Não sinto mais o chão, que deles se distancia.

Naquele espaço, vazio, em que me deparo, nada mais vejo, além de inúmeros vermezinhos voadores que aparecem. Se aproximam e, com esmerado carinho começam a roer-me o peito. Sinto os beliscões na carne, sinto cada pedaço se esvaindo. Sinto a dor. Sinto o prazer.

Coração, pulmão, todos os órgãos que ali jaziam se transformam em alimento para aqueles tão cuidadosos bichinhos, que após alimentarem-se vão embora, deixando-me novamente só, com aquele vazio.

E, enfim, tudo acaba. Só o que vejo é luz. Elevo-me ainda mais. E vejo luz. Luz que se desdobra em todas as cores, e me rodeia. Cores dançantes, que se formam, reformam, deformam, em constantes movimentos. Algumas me queimam a pele, outras entorpecem os ouvidos. Uma outra ainda leva-me o pensamento. Leva-me todas as vísceras que restavam. Leva-me o resto do ser.

Está tudo pronto, não há mais nada a ser feito. agora sou só os restos de tudo o que foi levado.

Sou corpo, não sou alma. Sou peso e leveza. Sou pedaços do infinito.