ERA NOITE

Era noite. Ela queria sair do quarto. Já não suportava mais a solidão. Sim, a solidão também cansa. Vestiu uma blusa não por causa do frio, mas para esconder as cicatrizes. Profundas cicatrizes. Não, não foi nenhum acidente. Foi ela mesma. Pode parecer loucura, mas para ela era normal. Já não sentia mais nada.

Ela saiu. Não sabia para onde iria, só sabia que iria sozinha. Amigos já não tinha. O sol ela já não via. Foi para um lugar deserto, odiava pessoas. Sentou-se no chão de um beco estreito e escuro. As lágrimas escorreram-lhe pela face pálida. Desviou o olhar para o céu e conseguiu ver a lua por entre as tenebrosas nuvens negras.

Continuou sentada ali, naquele beco frio e cheio de ratos. Sentiu na pele as primeiras gotas de chuva. Aquela sensação de alguma forma a aliviava. Era como se as gotas de chuva lavassem a alma, cicatrizassem as feridas que não se fechavam. Parecia anestesiada, calma. Ela nunca havia se sentido assim. Naquele beco úmido descobrira uma nova sensação, uma nova pessoa dentro de si mesma.

Ela queria mais! Queria que aquela sensação se tornasse uma parte dela. Disse para si mesma que, a partir daquela noite, sua vida mudaria. As coisas tomariam um novo rumo, uma nova cor.